Crime de tráfico praticado durante uso de tornozeleira eletrônica justifica redução menor da pena?
No julgamento do AgRg nos EDcl no HC 850.653-SC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um precedente significativo ao determinar que a prática de um crime sob monitoramento eletrônico é um fundamento idôneo para a modulação da fração da minorante do tráfico.
Essa decisão, tomada por unanimidade pela Sexta Turma e relatada pelo Ministro Antonio Saldanha Palheiro em 20 de maio de 2024, marca um importante marco na jurisprudência brasileira.
Leia mais abaixo:
Contexto Legal da decisão do STJ sobre tornozeleira eletrônica e redução da pena
A questão central do caso reside na interpretação do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Esse artigo prevê uma redução de pena para agentes primários, com bons antecedentes, que não se dediquem a atividades criminosas nem integrem organização criminosa.
A redução pode variar de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) da pena.
A lei destina-se a beneficiar os pequenos traficantes, que muitas vezes começam a comercializar entorpecentes para sustentar seu próprio consumo.
Contudo, não se aplica aos indivíduos que fazem do tráfico sua ocupação principal.
O Caso Específico
No caso em análise, o sentenciado foi surpreendido praticando um novo crime enquanto usava tornozeleira eletrônica, imposta devido a uma condenação anterior.
O juízo singular decidiu modular a causa de diminuição de pena para 1/3, justificando que o uso da tornozeleira no momento da prática delitiva demonstrava um maior grau de dolo na conduta do réu.
Fundamentação da Decisão
O STJ respaldou essa decisão, enfatizando que a prática de crimes sob monitoramento eletrônico reflete um claro desrespeito à Justiça.
A decisão menciona explicitamente que a reincidência delitiva enquanto monitorado eletronicamente é um indicativo de descaso com as condições impostas pelo sistema de Justiça, justificando, portanto, a modulação da fração da minorante.
Quando usar tornozeleira eletrônica?
Quando usar tornozeleira eletrônica? Como requerer a tornozeleira eletrônica? Como funciona a tornozeleira eletrônica?
Para quem está iniciando a atuação profissional na Execução Penal e ainda não domina o tema, queremos falar desse tema de forma bem útil para a sua atuação na prática.
A prisão antes do julgamento é excepcional, permitida apenas quando não for possível a aplicação de outra medida.
Conforme texto do § 6º, do artigo 282 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva só é cabível quando não for possível sua substituição pelas medidas cautelares.
Na Audiência de Custódia, o juiz poderá decidir que a pessoa responderá ao processo em liberdade cumprindo alguma condição.
Essas condições são chamadas de ‘medidas cautelares’.
O que são medidas cautelares não-prisionais?
São chamadas de ‘medidas cautelares’ as condições que o juiz determina para garantir que a pessoa siga respondendo em liberdade e podem limitar alguns direitos.
Essas condições são fiscalizadas por uma equipe, que acompanha a pessoa e informa o cumprimento ao juiz.
O artigo 319 do Código de Processo Penal descreve expressamente, em seu texto, 9 medidas cautelares diversas da prisão, quais sejam:
1) comparecimento periódico em juízo;
2) proibição de acesso ou de frequentar determinados lugares;
3) proibição de manter contato com determinadas pessoas;
4) proibição de ausentar-se da Comarca, necessária para a investigação ou instrução;
5) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga;
6) suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica;
7) internação provisória no caso de atos praticados com violência ou grave ameaça e que seja comprovada incapacidade de compreensão do ato cometido;
8) pagamento de fiança;
9) uso da tornozeleira eletrônica.
As medidas cautelares diversas da prisão podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
Observa-se que a monitoração eletrônica é a última opção elencada do art. 319 do CPP.
Isso indica que a monitoração eletrônica deve ser aplicada de modo subsidiário e residual às outras modalidades legalmente previstas, como uma medida para conter o encarceramento e reduzir o alto número de presos provisórios (Resolução nº 213 do CNJ).
Em outras palavras, a monitoração é indicada apenas quando não couber outra medida cautelar menos gravosa.
Quem tem direito a usar tornozeleira eletrônica?
O monitoramento eletrônico na execução penal é disciplinado entre os artigos 146-B e 146-D da Lei 7.210/84.
Com o advento da Lei nº 12.258/10, de acordo com os incisos II e IV do art. 146-B, o juiz pode determinar o monitoramento quando autoriza a saída temporária no regime semiaberto ou quando determina a prisão domiciliar.
Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei nº 12.403/11, foi possível a aplicação dessa mesma modalidade de monitoração eletrônica como medida cautelar e alternativa à prisão preventiva, inclusive com aplicação para a proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Nova lei 14.843/2024 altera LEP
E, mais recentemente, uma nova lei altera Lei de Execução Penal para dispor sobre a
monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.
A nova lei ainda altera o artigo 146-B da LEP para incluir 3 novos incisos:
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:
I – (VETADO);
II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto;
IV – determinar a prisão domiciliar;
VI – aplicar pena privativa de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;
VII – aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de frequência a lugares específicos;
VIII – conceder o livramento condicional.
E inclui mais 2 novos incisos no art. 146-C, parágrafo único da LEP:
Art. 146-C. (…)
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:
I – a regressão do regime;
II – a revogação da autorização de saída temporária;
III, IV e V (vetados)
VI – a revogação da prisão domiciliar;
VII – advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.
VIII – a revogação do livramento condicional;
IX – a conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.
Além disso, a nova lei também altera o artigo 115 da LEP para permitir explicitamente que
O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias: (…)
Por fim, a Lei 14.843 incluiu no artigo 66, V da Lei de Execução Penal, a alínea “j” que dispõe que, compete ao Juiz da execução determinar:
j) a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;
Os advogados criminalistas que atuam na Execução Penal precisam acompanhar essas mudanças na LEP.
Clique aqui para ler mais sobre as alterações trazidas pela lei 14.843/2024.
Portanto, o juiz pode determinar o uso de tornozeleira eletrônica como uma das medidas cautelares.
Com o uso da tornozeleira, a pessoa passa a ser monitorada pela Central de Monitoração Eletrônica 24 horas por dia, pelo tempo determinado pelo juiz, para controle e vigilância, com objetivo de cumprir com a decisão da justiça.
A tornozeleira informa a movimentação e a localização da pessoa para a Central.
Também permite verificar o cumprimento das condições impostas pelo juiz.
É obrigatório manter a tornozeleira carregada e atender aos contatos da Central.
Central de Monitoração Eletrônica (CME)
A Central de Monitoração Eletrônica (CME) é quem acompanha a aplicação da tornozeleira conforme a determinação da justiça, e também:
› acompanha a pessoa monitorada enquanto durar a determinação da justiça;
› encaminha informações sobre a pessoa monitorada à justiça;
› orienta a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e direitos;
› encaminha e orienta a pessoa monitorada aos serviços sociais e demais serviços públicos;
› comunica ao juiz possíveis descumprimentos durante a monitoração.
Como funciona a tornozeleira eletrônica?
A tornozeleira eletrônica envia informações para a Central de Monitoração sobre horários, movimentação e localização da pessoa monitorada, indicando em tempo real as áreas onde ela tem autorização para circular e onde não.
A tornozeleira é um equipamento de uso permanente e individual, devendo ser utilizada enquanto durar a decisão da justiça.
A tornozeleira funciona com bateria recarregável que pode ser portátil.
Na maioria dos locais, o carregador ainda usa um fio ligado à tomada, o que limita os movimentos da pessoa até a recarga completa.
A bateria deve estar sempre carregada para evitar o descumprimento da decisão da justiça.
Quais os Impactos do Uso da Tornozeleira Eletrônica?
O monitoramento eletrônico, comumente realizado por meio de tornozeleiras, tem sido cada vez mais utilizado como uma alternativa às prisões tradicionais.
Seu uso visa:
- Redução da População Carcerária: Aliviando a superlotação dos presídios.
- Reinserção Social: Permitindo ao apenado manter vínculos familiares e laborais.
- Vigilância e Controle: Monitorando os movimentos do apenado para prevenir novas infrações.
Todavia, a decisão do STJ traz à tona um aspecto crucial: a efetividade do monitoramento eletrônico depende do cumprimento das condições impostas.
Quando um apenado comete novos crimes sob vigilância, demonstra não apenas a ineficácia do monitoramento, mas também uma afronta direta ao sistema de Justiça.
Consequências para o Apenado
Para o apenado, essa decisão implica que:
- Atenção Redobrada: Qualquer violação das condições do monitoramento poderá resultar em consequências mais severas.
- Redução de Benefícios: A prática de crimes durante o monitoramento pode levar a uma menor redução de pena.
- Percepção de Risco: O descumprimento das condições pode ser percebido como um agravante significativo na dosimetria da pena.
Conclusão
A decisão do STJ no HC 850.653-SC reflete um avanço na interpretação da legislação penal, sublinhando a importância do respeito às condições impostas pelo monitoramento eletrônico.
Para advogados, essa decisão enfatiza a necessidade de orientar seus clientes sobre a seriedade do cumprimento das condições judiciais e o impacto potencial de quaisquer violações.
O uso da tornozeleira eletrônica, enquanto ferramenta de reintegração e controle, deve ser acompanhado de um rigoroso cumprimento das normas, sob pena de consequências jurídicas significativas.
A decisão do STJ, ao modular a minorante do tráfico com base no comportamento do apenado sob monitoramento, reforça a mensagem de que a Justiça exige seriedade e respeito às suas condições.
Esse é um dos temas que exploro detalhadamente no Curso Completo de Direito Penal, que faz parte da Comunidade Criminalistas de Elite, onde abordamos toda a parte geral e especial do Código Penal de forma prática.
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Uma resposta
Muito boa essa temática sobre o monitoramento eletrônico! Parabéns!