Decisão Polêmica do STJ: Falta de Prova de Inviabilidade Não Justifica Aborto!

Análise Penal sobre Aborto sem Consentimento da Gestante

Falta de prova de inviabilidade da vida extrauterina leva STJ a negar permissão para aborto

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do HC 932495, negou o pedido de salvo-conduto para que uma mulher, com mais de 30 semanas de gestação, pudesse realizar procedimento de interrupção da gravidez sem ficar sujeita a processo penal pelo crime de aborto.

Durante a gestação, ela descobriu que o feto tem uma alteração genética denominada Síndrome de Edwards, além de cardiopatia grave.

O tema do aborto é de extrema relevância no campo do direito penal.

No artigo de hoje, abordaremos essa decisão do STJ, as legislações pertinentes ao tema, jurisprudências recentes, o PL do aborto que tem sido tão comentado e algumas orientações para advogados criminalistas.

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É possível aborto em caso de inviabilidade da vida extrauterina não comprovada?

Como adiantado, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de salvo-conduto para que uma mulher, com mais de 30 semanas de gestação, pudesse realizar procedimento de interrupção da gravidez sem ficar sujeita a processo penal pelo crime de aborto.

Durante a gestação, ela descobriu que o feto tem uma alteração genética denominada Síndrome de Edwards, além de cardiopatia grave.

De acordo com o relator, ministro Messod Azulay Neto, o caso não se equipara à situação dos fetos anencéfalos, cujo aborto não é considerado crime por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54.

habeas corpus chegou ao STJ após a gestante ter seu pedido negado em primeira e segunda instâncias.

Ela requeria que fosse aplicado ao seu caso, por analogia, o entendimento firmado pelo STF em relação aos fetos anencéfalos, e também alegava que o prosseguimento da gravidez traria risco à sua própria vida.

Inviabilidade da vida extrauterina foi a premissa do STF

O ministro Messod Azulay Neto considerou que não é o caso de aplicação da interpretação do STF na ADPF 54, pois os laudos médicos juntados ao habeas corpus não indicavam a inviabilidade – diferentemente do que acontece com um anencéfalo.

E o entendimento do STF, de acordo com o ministro, “parte da premissa da inviabilidade da vida extrauterina”.

“A anencefalia, doença congênita letal, pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O crime de aborto atenta contra a vida, mas, na hipótese de anencefalia, o delito não se configura, pois o anencéfalo não tem potencialidade de vida. E, inexistindo potencialidade para o feto se tornar pessoa humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal”, disse o relator.

“Embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave, com alta probabilidade de letalidade, não se extrai da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero”, completou.

Legislar sobre o tema não é função do STJ

Da mesma forma, Messod Azulay Neto enfatizou que não foi demonstrado o alegado risco à vida da gestante, fato que impede a aplicação da excludente de ilicitude prevista no artigo 128, inciso I, do Código Penal.

“Não quero menosprezar o sofrimento da paciente. Estou fazendo uma análise absolutamente técnica, considerando que o nosso ordenamento jurídico só autoriza a realização do aborto terapêutico e o resultante de estupro, além do caso particular analisado pelo STF, que é o de anencefalia”, explicou o ministro durante o julgamento.

Segundo ele, não cabe ao STJ legislar sobre o tema para criar hipóteses de aborto legal além daquelas previstas na lei ou no precedente do STF.

“Eu estou aplicando puramente o direito”, declarou.

Fonte: STJ – HC 932.495

Tudo sobre Aborto no Código Penal

Inicialmente, é preciso sempre lembrar que o Código Penal adota a teoria da atividade, onde se considera consumado o crime no momento da conduta, ainda que o resultado ocorra em momento posterior.

Para que se configure o crime de aborto, a conduta precisa ser praticada antes de iniciar o parto.

Previsto a partir do artigo 124 do CP, o crime de aborto poderá admitir três hipóteses, todas dolosas, sendo: auto aborto, aborto com consentimento da gestante e aborto sem consentimento da gestante.

Aborto significa a interrupção dolosa da gravidez.

Vejamos as hipóteses de aborto

Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

O artigo 124 traz a hipótese de auto aborto, onde a gestante é o sujeito ativo do crime.

Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Atenção ao disposto no parágrafo único:

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Por escolha legislativa, os artigos 124 e 126 representam uma quebra da teoria monista.

Portanto, embora gestante e terceiro possam estar concorrendo para um mesmo resultado, que é o aborto, cada um deles responderá pelo próprio crime.

Diante esse contexto surge um novo questionamento:

Com a configuração do artigo 126, admite-se o concurso de pessoas no artigo 124?

Em regra, não. No entanto, a depender do caso concreto, é possível a participação para o terceiro que auxilia sem praticar diretamente qualquer ato abortivo. Entendeu?

Vamos aos exemplos:

Exemplo 1 – Maria ministra, com consentimento, substância abortiva na gestante Carla para provocar o aborto. O crime por ela praticado é do artigo 126, ou seja, ela provoca o crime de aborto.

Exemplo 2 – Maria compra medicamento abortivo e entrega para a gestante Carla tomar, com a sua ciência. A própria gestante é que ingere ou aplica a medicação. Neste exemplo, ambas respondem pelo artigo 124. A amiga Maria é partícipe do crime do artigo 124.

Por que ela não pratica a conduta descrita artigo 126?

Porque ela não praticou verbo núcleo deste tipo. Ela não provocou o aborto.

Atenção! Em que pese o próprio Código Penal fazer menção ao artigo 127 como forma qualificada, é preciso atentar-se, pois possui natureza jurídica de causa de aumento de pena.

Forma qualificada do crime de aborto

Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Neste artigo, a morte ou a lesão decorrem do aborto, mas não são desejadas pelo autor do crime.

Esses resultados se dão a título de culpa.

Atenção! Caso haja dolo na morte da gestante o agente deverá responder pelo crime de homicídio em concurso com o crime de aborto.

Vejamos um exemplo:

João toma ciência da gravidez de sua mulher Rita. Sabendo que Rita possui doença fatal, ele a convence a ir a um obstetra, mas trata-se de fraude, pois já combinou previamente com o amigo Antônio que seria realizado um aborto. Rita vai ao consultório com João.

Lá, Antônio pratica manobras abortivas, enquanto Rita está desacordada. João não comunicou ao amigo a doença grave de Rita. João já sabia que o procedimento causaria a morte da esposa, o que de fato ocorreu. Ele já desejava esse resultado, pois queria ficar com sua amante.

Pergunta-se: Qual será a responsabilidade penal dos envolvidos?

Pontos importantes: João usa o Antônio como instrumento para a prática do crime de homicídio; João, esposo, tem dolo de matar (por motivo fútil – querer ficar com a amante) a esposa e de praticar o crime de aborto sem o consentimento da vítima.

No caso concreto, João deve responder por homicídio qualificado, com agravante de ter sido cometido contra cônjuge.

Responde ainda pelo crime de aborto do artigo 125, em concurso formal impróprio (pois ele tinha desígnios autônomos). Antônio deve responder pelo artigo 125 c/c artigo 127.

Ao retornar a leitura do artigo 127 percebe-se que o próprio dispositivo traz essa previsão.

Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Casos de aborto permitido

Já o artigo 128 prevê a possibilidade do aborto praticado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.

O que configura o estado de necessidade especial, ou seja, uma causa de excludente da ilicitude prevista na parte especial do Código Penal.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O inciso II é abarcado por uma divergência doutrinária e também é entendido como causa especial excludente da ilicitude.

No entanto, Rogério Greco sustenta que é causa de excludente da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

E a terceira forma de aborto permitido no país é o caso abaixo:

Aborto de feto anencéfalo

É importante ter atenção para a ADPF 54, de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, que foi ajuizada pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) em 2004, tendo sido julgada apenas oito anos depois, em uma votação não unânime da qual participaram 11 ministros, nos dias 11 e 12 de abril de 2012.

O STF julgou a ação procedente por 8 votos a favor, e 2 votos contra.

Foi decidido que

não há de ser considerado crime de aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto com anencefalia.

Desta forma, foi reconhecida a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção deste tipo de gravidez é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do CP.

Trecho citado pelo Relator da ADPF 54:

“Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica”.

Portanto, o aborto de feto anencéfalo, no Brasil e de forma jurisprudencial, não é considerado crime.

Claro que não conseguimos esgotar o tema aqui, mas se tem interesse em se especializar em Direito Penal e aprender sobre o tema e as teses de mérito que podem ser aplicadas no caso concreto, clique aqui e saiba mais.

PL do aborto: Projeto de lei quer equiparar a homicídio simples, aborto após 22 semanas 

Está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas ao crime de homicídio simples.

A proposta prevê punição inclusive para os casos de gravidez resultante de estupro.

Atualmente em análise na Câmara, o PL 1.904/24 modifica o Código Penal, que atualmente não pune o aborto em casos de estupro e

não estabelece restrição de tempo para o procedimento nessas circunstâncias.

O Código Penal também não pune o aborto quando é o único meio de salvar a vida da gestante.

Fora dessas exceções, o aborto é considerado crime no Brasil.

O Código Penal estipula detenção de um a três anos para a mulher que realiza o aborto; reclusão de um a quatro anos para o médico ou qualquer pessoa que realize o aborto com o consentimento da gestante; e reclusão de três a 10 anos para quem realizar o aborto sem o consentimento da gestante.

Se aprovado pelos parlamentares, o projeto de lei punirá o aborto realizado após 22 semanas de gestação com reclusão de seis a 20 anos em todos os casos, incluindo os de gravidez resultante de estupro.

A pena será a mesma prevista para o homicídio simples.

O projeto de lei também prevê que o juiz poderá atenuar a pena, de acordo com as circunstâncias individuais de cada caso, ou até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Fonte: Câmara dos Deputados

Este PL é bastante polêmico e está gerando muita discussão no meio jurídico e na sociedade em geral. 

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