É possível prisão domiciliar à mulher trans? Resolução 348 do CNJ

Sexta Turma assegura prisão domiciliar a mulher trans que teria de cumprir pena em presídio masculino

Sexta Turma assegura prisão domiciliar a mulher trans que teria de cumprir pena em presídio masculino

É possível prisão domiciliar à mulher trans? Você conhece a Resolução 348/2020 do CNJ?

Na primeira sessão de julgamento de 2024, realizada nesta terça-feira (6), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para

garantir a uma mulher transgênero o direito de permanecer em prisão domiciliar.

O benefício havia sido revogado em primeiro grau, com a determinação de que ela se apresentasse a um presídio de Criciúma (SC) destinado apenas a presos masculinos.

Essa é uma decisão muito importante para a sua prática penal, pois, como se vê neste caso, o juízo de execução penal do caso não considerou a condição de pessoa transgênero da apenada.

Assim, o advogado criminalista precisa estar atento aos entendimentos jurisprudenciais e às resoluções do CNJ para, caso necessário, recorra da decisão e junte na petição decisões favoráveis como esta.

LEIA MAIS ABAIXO A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS COM BASE NA RESOLUÇÃO 348/2020 DO CNJ:

local de prisão de pessoas trans

Decisão do STJ sobre o local de prisão de pessoas trans

A mulher cumpria pena em regime domiciliar em Criciúma, mas o juízo da execução penal de Florianópolis determinou que ela escolhesse entre retornar à capital – condição para manter a prisão domiciliar –

ou permanecer em Criciúma, caso em que deveria se apresentar voluntariamente ao presídio masculino.

No habeas corpus, a Defensoria Pública de Santa Catarina alegou que a determinação de recolhimento da mulher trans no presídio de Criciúma seria absolutamente ilegal,

porque o local não teria celas separadas para pessoas transgênero e não ofereceria espaços de convivência específicos para indivíduos desse grupo.

Sistema carcerário brasileiro ainda tem contornos violentos e segregacionistas

Para o relator do habeas corpus, desembargador convocado Jesuíno Rissato, o caso reflete a situação prisional de várias pessoas no Brasil, que, por ter uma sociedade estruturalmente “racista, misógina, homofóbica e transfóbica”,

possui um sistema carcerário “violento e segregacionista”.

Segundo o relator, em um primeiro momento, a concessão da prisão domiciliar havia se baseado no argumento de que o presídio de Criciúma não tinha condições adequadas para receber a mulher trans.

Posteriormente, contudo, o juízo da execução penal revogou o benefício, mas não esclareceu de que forma a prisão passou a estar preparada para abrigá-la.

“Não parece crível que a unidade prisional que foi considerada inapta (de acordo com a primeira decisão) para receber pessoas LGBTQIA+, passado menos de dois meses, já esteja apta a recebê-las, o que, supostamente, justificaria a revogação do cumprimento da pena em regime domiciliar”, completou.

Presa trans tem o direito de ser questionada sobre local de cumprimento da pena

Jesuíno Rissato lembrou que, nos termos da Resolução 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a definição do local de cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício discricionário da Justiça,

mas sim uma análise que tem por objetivo resguardar a liberdade sexual e de gênero, a vida e a integridade física desses indivíduos.

Segundo o relator, tanto a Resolução 348 do CNJ como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 527 determinam que as presas transexuais e travestis sejam questionadas sobre o local de preferência para o cumprimento da pena.

Concluiu o magistrado ao manter a prisão domiciliar:

“É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas”.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 861817

Fonte: STJ

Resolução 348/2020 do CNJ e a definição do local de privação de liberdade

Se você, advogado criminalista, atua ou deseja atuar na execução penal e não conhece a resolução 348/2020, vamos apresentar um dos principais pontos dessa resolução para você.

Estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população

lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.

Conforme o manual do CNJ sobre a resolução 348/2020, algumas questões são importantes a serem observadas na tomada de decisão envolvendo pessoas trans, como a definição do local de privação de liberdade.

Definição do local de privação de liberdade

A alocação de pessoas autodeclaradas LGBTI em unidades prisionais e socioeducativas deve ser realizada com grande cautela,

garantindo-se informação suficiente e consulta à pessoa interessada acerca do estabelecimento onde prefere ser custodiada.

Essa metodologia é recomendada em diversos âmbitos, como pelo Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura e pelo Ministério da
Justiça e Segurança Pública, sendo integralmente adotada pela Resolução CNJ nº 348/2020.

Assim, conforme dispõe o artigo 7º da supramencionada Resolução, a decisão sobre o local de privação de liberdade será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa,

que poderá ser efetuado em qualquer momento da persecução penal e da execução da pena.

Conforme se verifica no parágrafo 1º do artigo 7º da Resolução:

§ 1º (…) assegurada ainda, a possibilidade de alteração do local, em atenção aos objetivos previstos no art. 2º desta Resolução. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

A Resolução 366/2021 do CNJ ainda incluiu o parágrafo 1º-A, o qual prevê que

A possibilidade de manifestação da preferência quanto ao local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada expressamente à pessoa pertencente à população LGBTI no momento da autodeclaração.

Momento do questionamento

A despeito de tal questionamento ser possível em qualquer momento, cabe ao/à magistrado/a concretizá-lo, quando no sistema de justiça criminal, na audiência de custódia realizada após a prisão em flagrante ou em cumprimento do mandado de prisão,

e na audiência de apresentação em procedimentos da justiça juvenil.

No mais, a pessoa poderá ser indagada na prolação de sentença condenatória e em audiência na qual seja decretada a privação de liberdade, devendo a preferência de local constar, formalmente,

da decisão ou sentença judicial que determinará o cumprimento da medida estabelecida (art. 8º, §§1º e 2º da Resolução CNJ nº 348/2020, respectivamente).

Alternativas de alocação

Dentre as alternativas de alocação disponibilizadas pela Resolução CNJ nº 348/2020, pessoas autodeclaradas transgênero, autoidentificadas como homem ou mulher, devem ser questionadas sobre a preferência pela custódia em

unidade feminina, masculina ou específica, caso exista na
região.

Por sua vez, também conforme a Resolução CNJ nº 348/2020, pessoas autodeclaradas parte da população gay, lésbica, bissexual, intersexo ou travesti

devem ser indagadas acerca da preferência pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

Tal opção é recomendada pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) na Nota Técnica nº 9/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ;

documento que embasou a decisão proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em 18 de março de 2021, ao julgar pedido de Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 527, garantindo a possibilidade para mulheres transexuais e travestis.

A referida diretriz encontra embasamento, também, no entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), exarado na Opinião Consultiva OC-24/7/2017, pela qual se destacou que

a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero são protegidas pelo art. 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Perda de direitos

E como bem ressalvado no §3º do artigo 7º da Resolução CNJ nº 348/2020, a alocação da pessoa autodeclarada como parte da população LGBTI em determinada unidade prisional ou socioeducativa, definida após escuta à interessada, não poderá resultar na perda de qualquer direito em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo lugar, especialmente quanto ao

acesso a trabalho e estudo, atenção à saúde, alimentação, higiene, assistência material, social ou religiosa, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes no estabelecimento.

Portanto, considerando também o estabelecido pelo artigo 5º da Lei de Execução Penal (nº 7.210/1984), o critério preferencial para a definição, pelo magistrado ou magistrada, do local de detenção da pessoa autodeclarada LGBTI será a

manifestação de vontade de acordo com sua identidade de gênero e/ou orientação sexual.

Adolescentes e jovens apreendidos(as)

Reitera-se a validade do mesmo critério para adolescentes e jovens apreendidos/as, processados/as por cometimento de ato infracional ou em cumprimento de medida socioeducativa que

se autodeterminem pertencentes à população LGBTI, conforme previsto pelo artigo 15 da Resolução CNJ nº 348/2020.

Bom, claro que existem muitos outros aspectos importantes sobre esse tema, mas o que trouxemos aqui já é possível fundamentar a sua petição ou recurso para garantir que o direito do seu cliente ou da sua cliente seja assegurado.

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