Pra quem é o devido processo legal? Para o criminoso, para o bandido, para a vítima ou para todos? Lições que o caso Henry nos traz!

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O caso Henry e o devido processo legal

Eu inicio esse escrito trazendo um excerto do texto de Freud de 1919 quando ele diz que

“é surpreendente a frequência com que a fantasia de que ‘batem numa criança’ é confessada por pessoas que buscam tratamento psicanalítico para uma histeria ou uma neurose obsessiva”[1].

Podemos dizer que a essa fantasia se acham ligados sentimentos de prazer, ou de ódio ou de algum outro fenômeno obscuro escondido no inconsciente do indivíduo e que se materializa, em determinados momentos, no mundo fenomênico.

Bater numa criança é algo que nos traz uma revolta significativa por menor que seja a intensidade da agressão propriamente dita e da dor sentida pelo pequenino ser humano, quiçá se essa dor for demasiadamente intensa e produtora de uma morte nefasta e inocente. Aí, é o nosso coração que grita de dor e incompreensão acerca deste mundo injusto e cruel em que a empatia ficou para trás.

 Essa reflexão inicial condiz com o fatídico episódio que acontecera no Rio de Janeiro, o caso Henry, em que o vereador Dr. Jairinho e a mãe da criança, Monique Medeiros, foram indiciados e, dentro de bem pouco tempo, estarão sendo acusados formalmente a partir da formação de um devido processo legal.

A despeito de tudo indicar que, na investigação, eles sejam os autores da terrível e inconcebível infração penal, não podemos olvidar, como pensadores e atuantes da prática penal, que a regra no ordenamento jurídico é a presunção de inocência conforme preceituado no artigo 5º, inciso LVII da CF e no artigo 8º, item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Podemos, ainda, arrematar e confirmar que a regra é a liberdade e a exceção a prisão.  

Eu sei que é duro ler que a regra é a presunção de inocência, mas essa é a realidade quando se trata de estarmos sob o manto do Estado Constitucional de Direito. Ou seja, acima de tudo, deve-se reconhecer o devido processo legal e, a partir dele, termos a solução para o caso em si, qual seja, uma condenação ou uma absolvição, objetivamente falando.

Se você é um pensador do direito e está lendo o que acabei de escrever, certamente, estará compreendendo o que aqui está posto, pois entende a ciência jurídica, mas também sabe que ela nem sempre é razoável e justa, mas, muitas vezes, injusta!

Contudo, se você for um leigo e acrítico do sistema ou um operador do direito (como muitos dizem por aí), chegará à conclusão de que tudo o que fora explanado acerca da regra ser a presunção de inocência é uma mera baboseira, uma besteira intelectual propagada por um pensador desumano e mergulhado nas letras das diversas teorias inconsequentes que, muitas vezes, se misturam com as mesquinhas correntes garantistas.   

Nesse mesmo fato trágico do caso Henry, pudemos ver e ouvir, em um episódio emblemático e reflexivo, ataques acalorados ao primeiro advogado da causa, André França Barreto, em que alguns incautos proferiam a seguinte incivilidade: “advogado de criminoso também é criminoso”.  Ou seja, guardadas as devidas proporções, também uma total falta de empatia cm relação ao advogado.

Infelizmente, esse é o conceito marginal que a sociedade leiga traduz acerca do advogado criminalista e, o pior, do devido processo legal. Pensam que o devido processo legal é algo sorrateiro e para um pequeno grupo seleto de seres humanos, ledo engano!

Todos precisam de um devido processo legal e o advogado criminalista é um combatente e defensor dos direitos fundamentais. Costumo dizer que o advogado criminalista tem por missão a defesa dos direitos fundamentais, independentemente do crime que tenha sido praticado. Afinal de contas, essa missão só se perfaz se houver o devido processo legal.

Numa sociedade desigual como a brasileira, o devido processo legal é o remédio limitador das arbitrariedades perpetradas pelo Estado e o advogado criminalista aquele que trará a luz para clarear a escuridão das desigualdades. Afinal, muitos equívocos são sanados, justamente, na formação da relação dialética processual.

A sociedade esquece que “pau que bate em chico, bate em Francisco”, ou seja, da mesma forma que se quer um direito penal máximo e flexibilizador das garantias constitucionais para o “chico”, esse mesmo direito penal máximo alcançará o “Francisco”.

Infelizmente essa ideia de intervenção máxima do direito penal e a total manifestação do direito penal do inimigo rondam a sociedade e ameaçam o verdadeiro e legítimo senso proporcional de justiça.

Jakobs[2] sempre é citado, mesmo que não saibam, como referência desse direito penal drástico como necessário para o Estado Constitucional, mas que, em verdade, é exatamente o contrário, ou seja, um direito de exceção que subtrai a regra e a limitação do poder punitivo do Estado.

Independentemente do crime cometido, o devido processo legal é extremamente necessário para que haja a redução das injustiças. Quando ouvimos e vimos ações como as que foram realizadas em detrimento do advogado André França Barreto, percebemos que os resquícios inquisitoriais ainda permanecem no nosso inconsciente e basta um mero acontecimento para que sejam aflorados e externados como manifestação clara do nosso ódio ao próximo.

Não se trata de falta de moral ou ausência de ética por parte daquele que defende uma causa que, aos olhos da sociedade, é repugnante ou ultrajante, mas, sim, de comprometimento com a justiça e com o sujeito de direitos que será acusado e julgado e terá seus direitos fundamentais tocados.

Precisamos ser fortes para que o eu inconsciente não destrua nosso eu consciente. Como Hobbes[3] já dizia, “o homem é o lobo do homem”. Nós somos o nosso próprio problema e temos de nos resolver para que os “demônios” do nosso inconsciente não destruam o nosso consciente e o propósito para o qual fomos criados.

O caso Henry nos ensina muita coisa sobre o coração, sobre amar ao próximo e sobre como estamos tocando a vida e pensando sobre ela. A vida tem sido, literalmente, descartada e plastificada.

Mas este caso também nos ensina que, independentemente de qualquer coisa, precisamos da realização de um devido processo legal com a presença do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia criminal e da sociedade, para juntos trazerem luz à sociedade, seja numa condenação ou numa absolvição. Todos fazem jus ao devido processo legal.

Despeço-me com Hannah Arendt [4] quando diz que

“vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”.

Não perca a esperança! O Devido processo legal é a esperança para um processo penal moderno e psicologicamente equilibrado.

Reflita! Avante sempre!

Referências:

[1] FREUD, Sigmund. “Batem numa criança” – Contribuição ao conhecimento da gênese das perversões sexuais”. Ein kind wird geschlagen (beintrag zur kenntinis der entsthung sexueller perversionen). Publicado primeiramente em international zeitschrift für ärtzliche psychoanalyse, v.5. n.3,PP151-72

[2] JAKOBS, Günther. Das Fahrlässigkeitsdelikte, in: ZStW, Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft, Beiheft Teheran (1974)

[3] HOBBES, Thomas. Leviatã. Edipro, 2015

[4] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Companhia das letras, 2012

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Uma resposta

  1. Profa. Cristiane Dupret, o problema é que a sociedade não sabe diferenciar o profissional ético e o que está a margem da sociedade.
    A advocacia criminal é linda, sendo tão importante quanto o Direito civil.
    A sociedade só vai ter respeito pelo advogado criminal quando começar a identificar que o criminalista trabalha com a Constituição Federal e com o Código Penal, Processo Penal e com o inquérito policial
    Mas jamais com parcialidade, quem faz essa defesa são os parentes e amigos.
    A advogada (o) faz a defesa técnica por meio do inquérito policial e do processo penal, a defesa do causídico é imparcial.

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