Racismo Religioso e Indenização de R$ 100 Mil: Lei 14.532/2023

Racismo Religioso e Indenização de R$ 100 Mil: tudo sobre a Lei 14.532/2023

Ação do MPF pede que pastor pague indenização de R$ 100 mil por danos causados por racismo religioso

O Ministério Público Federal (MPF), pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), ajuizou ação civil pública contra um pastor evangélico por disseminar discurso discriminatório que ataca religiões de matrizes afro-brasileiras e seus seguidores.

Na ação, o MPF pede indenização de R$ 100 mil, em função das violações aos direitos fundamentais causadas pelas ofensas.

O racismo religioso é uma forma de discriminação que ocorre quando uma pessoa é tratada de maneira injusta ou desigual por causa de sua crença ou prática religiosa.

Isso pode ser manifestado por meio de insultos, intimidações, assédio ou violência física.

Mas, qual a previsão legal do racismo religioso e como advogar em casos como este?

Se você deseja aprender mais sobre o tema, fique conosco até o final e saiba tudo sobre este crime.

E se você já é nosso aluno ou aluna do Curso de Prática na Advocacia Criminal, não deixe de enviar suas dúvidas por lá.

Leia mais abaixo sobre o tema:

Caso de crime de racismo religioso ajuizado contra o pastor

De acordo com representação formulada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro, o pastor, em vídeo que circulou na internet, atacou o evento chamado “Águas de Axé”, realizado anualmente, na cidade de Mangaratiba (RJ).

O evento foi incluído no calendário oficial do município neste ano.

Para o MPF, as declarações do líder religioso caracterizam discurso de ódio, uma vez que associa as religiões de matrizes afro-brasileiras à desgraça e à degradação.

Segundo a ação, o discurso beligerante associou, por exemplo, a representação de Iemanjá a toda sorte de coisas maléficas que possam ocorrer ao município.

Guerra espiritual

A ação aponta que o pastor também convocou seus fiéis para uma espécie de “guerra espiritual”, a fim de que a Praia de Jacareí não se transformasse em “lama”, como teria se tornado a Praia de Sepetiba, após a colocação de uma escultura de Iemanjá no local.

O vídeo original foi apagado do Instagram, após intensa repercussão negativa, o que não exime seu responsável do dever de indenizar, explica o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Jaime Mitropoulos.

Os fatos ensejaram o Registro de Ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de Mangaratiba.

Lei nº 7.716/89

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão também determinou a remessa de cópia para apuração na área criminal, tendo em visto o artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº 7.716/89.

Tal norma define como crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, prevendo uma pena que pode chegar a cinco anos, caso o delito seja “cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza.

Racismo cultural e religioso

De acordo com apuração no âmbito cível, foram violados direitos de grupos historicamente vulnerabilizados pela chamada intolerância religiosa e pelo racismo cultural.

Na ação, a PRDC/RJ destaca que o discurso constitui cristalina discriminação contra as manifestações culturais afro-brasileiras, à medida que desumaniza e associa a valores negativos por meio de estereótipos e estigmas discriminatórios, demonstrando que as vítimas devem se “comportar de acordo com as expectativas criadas e lugares socialmente atribuídos a elas” por quem se imagina numa posição de superioridade social”, destaca o procurador Jaime Mitropoulos.

Direito de praticar sua própria religião

Segundo a petição inicial, comunidades tradicionais e minorias culturais têm o direito de praticar sua própria religião, de viver e se expressar de acordo com sua identidade cultural, de manter e preservar seus direitos à consciência, identidade e memória.

Por outro lado, o Estado tem o dever de salvaguardar a diversidade das expressões culturais, nos termos dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e da Convenção Para Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.

Ofensas dirigidas contra as religiões de matrizes afro-brasileiras

No caso sob enfoque, as ofensas dirigidas contra as religiões de matrizes afro-brasileiras e a declaração de guerra espiritual foram motivadas a partir da notícia de que o município de Mangaratiba estabeleceu que o evento “Águas de Axé” passou a integrar o calendário oficial da cidade.

A celebração ocorre todo dia 20 de janeiro e tem como objetivo promover a cultura afro-brasileira e incentivar a reflexão e a conscientização acerca do necessário enfrentamento ao racismo, discriminações e intolerâncias correlatas, bem como sobre a importância de se estimular a cultura do respeito pela diversidade.

Discurso caracteriza discriminação

No caso da ação ajuizada, fazendo valer sua posição de líder religioso, em um culto assistido por dezenas de fiéis e publicado na internet para um número incalculável de pessoas, o autor das ofensas proferiu discurso que discrimina, deprecia, humilha, estigmatiza e demoniza.

Para explicar o fenômeno, o procurador lança mão de abordagens feitas por estudiosos do tema, como Muniz Sodré e Frantz Fanon, que entendem o racismo religioso como vertente do racismo cultural.

Nessa mesma linha, a antropóloga Rosiane Rodrigues aponta que os adeptos das tradições de matrizes africanas enfrentam discriminação não apenas por sua religião, mas também por sua identidade étnica e pelo conjunto cultural relacionado ao modo de viver dessas comunidades.

Rodrigues evidencia como os meios de comunicação são utilizados para propagar discursos e ações que visam a exterminar as práticas tradicionais desses grupos, abrangendo, inclusive, a desterritorialização e o apagamento cultural.

Por sua vez, Maria Lúcia Montes entende que tal sistemática constitui verdadeiro

“etnocídio, na medida em que visa à eliminação que vai além das manifestações religiosas, objetivando solapar a identidade e o universo cultural de povos e comunidades tradicionais”.

A ação está fundamentada na Constituição Federal e em diversas convenções e declarações internacionais, como a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, na Lei Antirracista (Lei n 7.716/89) e no Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010).

Fonte: Ministério Público Federal

Previsão legal do crime de racismo religioso

Sobre esse tema, importante relembrar aqui as alterações trazidas pela Lei 14.532/2023.

Primeiramente, importante lembrar que a lei 14.532/2023 equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo e também protege a liberdade religiosa

A referida lei altera a Lei 7.716/89 – Lei do Crime Racial e inclui o artigo 2º-A

Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.     

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.  

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. 

Antes, a lei previa pena de 1 a 3 anos de reclusão.

A punição agora é a mesma prevista pelo crime de racismo, quando a ofensa discriminatória é contra grupo ou coletividade, pela raça ou pela cor.

Preconceito de religião

Agora, vejamos as alterações realizadas no artigo 20 da Lei do Crime Racial.

A redação do caput é a mesma:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa

Já a nova redação do parágrafo 2º dispõe que

Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza:    

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa

É o chamado racismo virtual ou racismo cibernético.

Além disso, segundo o novo parágrafo 2º-A do artigo 20 da Lei do Crime Racial, se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público,

a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

Neste caso, temos a cumulação da pena privativa de liberdade com a restritiva de direitos.

E conforme o novo parágrafo 2º-B do artigo 20 da Lei do Crime Racial, sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo quem

obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.

Ou seja, reclusão de um a três anos e multa.

Neste tipo penal, temos o crime de racismo religioso, figura de racismo equiparado, com o dolo de impedir ou embaraçar atividade religiosa.

Observa-se que esta figura é bastante diversa da injúria religiosa ou injúria por preconceito religioso remanescente no art. 140, § 3.º do CP.

Em tais casos de racismo religioso, a intenção do agente é demonstrar superioridade, menosprezar, diminuir, segregar, impedir ou obstruir a existência, prática ou manifestações religiosas. 

Repare que, somente no racismo praticado por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza (art. 20, § 2º) e no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público (art. 20, § 2º-A)

é que a pena privativa de liberdade do racismo será equiparada a da injúria preconceituosa (2 a 5 anos).

Quanto à fase processual, seja em varas cíveis ou criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou de defensor público (artigo 20-D da Lei do Crime Racial).

Alteração no Código Penal

Além disso, a Lei 14.532/2023 também alterou o Código Penal.

O § 3º do art. 140 do Código Penal, passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (…)

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

A injúria motivada pela religião, condição de idoso ou deficiência permanece presente no Código Penal.

Assim, o legislador optou por considerar que as ofensas aos atributos pessoais da vítima, utilizando elementos relacionados à religião, não configuram crime de racismo.

A pena prevista no artigo 140, § 3.º, permanece inalterada, e a intenção do agente é ofender a pessoa, utilizando elementos ligados à religião.

Na prática, com a nova legislação, ao tipificar a injúria racial como crime de racismo, deixa de existir prazo para que os autores do crime sejam punidos. Ou seja, é um crime imprescritível.

Além disso, os autores deste crime não terão direito à fiança. Ou seja, inafiançável. Mas, não é um ponto pacífico na jurisprudência ainda.

O Supremo Tribunal Federal (STF) não se manifestou sobre a equivalência da injúria ao racismo no que diz respeito à natureza da ação penal.

Mas, alguns entendem que, com a inserção da conduta típica de injuriar alguém em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional (artigo 2º-A) na lei 7716 passou assim a ter como ação penal pública incondicionada.

Enquanto a ação penal do tipo previsto no artigo 140, §3º do CP permanece sendo pública condicionada a representação.

Por fim, qualquer ato de injúria racial praticado a partir de 11 de janeiro de 2023, data em que a lei foi sancionada, é definitivo, permanente e não prescreve.

Claro que a Lei trouxe outras modificações, mas aqui trouxemos o que foi importante sobre a questão do racismo religioso.

Clique aqui e veja todas as alterações.

Como o advogado criminalista deve atuar em casos de racismo religioso?

Sempre importante destacar que, aqui no IDPB não fazemos juízo de valor sobre as notícias postadas.

Apenas trazemos temas que são relevantes para a sua prática penal e em cima das notícias, procuramos realizar análises penais e orientar advogados criminalistas sobre sobre advogar em casos semelhantes.

O tema da notícia de hoje pode ser bastante recorrente em seu escritório.

Por isso, gostaria de trazer algumas dicas de como atuar em casos envolvendo racismo ou preconceito religioso, especialmente, a favor da vítima.

Parceria com especialistas na área cível

O advogado criminalista pode atuar em casos de racismo religioso de diversas formas.

Uma das primeiras medidas que pode ser tomada é realizar uma parceria com um especialista em Civil e ajuizar uma ação civil por danos morais.

Nessa ação, o advogado pode requerer que o agressor seja obrigado a indenizar a vítima pelos danos causados.

Acompanhar a vítima a uma delegacia especializada

Além disso, o advogado criminalista pode acompanhar a vítima à Delegacia de Polícia Civil mais próxima de onde ocorreu o crime e registrar a ocorrência.

Se possível, em companhia das testemunhas e acompanhada das provas que conseguir reunir.

Em casos de racismo religioso, é importante que as vítimas denunciem a prática do crime, buscando a proteção e o amparo da lei.

O advogado criminalista pode atuar como um importante aliado nesse processo, prestando orientação jurídica e acompanhamento dos procedimentos legais para garantir a justiça e a reparação dos danos causados.

Para a vítima de racismo religioso, é fundamental contar com um advogado que entenda a complexidade desse tipo de crime e possa oferecer o suporte necessário para garantir que seus direitos sejam respeitados.

O advogado pode auxiliar na elaboração da “denúncia”, na coleta de provas e na apresentação de argumentos convincentes para demonstrar que houve, de fato, a prática do crime de racismo religioso.

A defesa no racismo religioso

Por outro lado, o advogado criminalista também pode atuar em defesa do acusado de racismo religioso.

Nesses casos, e dependendo das particularidades do fato, o advogado pode apresentar argumentos em favor do réu, buscando demonstrar que não houve a prática de crime ou que a conduta do acusado não se configurou como racismo religioso (a depender de cada caso, claro).

Para atuar em defesa do acusado, o advogado criminalista deve analisar detalhadamente os elementos do caso, avaliando a conduta do cliente e buscando evidências que possam enfraquecer a acusação.

É importante que o advogado trabalhe com ética e profissionalismo, respeitando os direitos do cliente e buscando a melhor defesa possível.

Entre as possíveis estratégias de defesa em casos de racismo religioso, estão, por exemplo, a negação da conduta, a alegação de ausência de intenção discriminatória e a argumentação de que a conduta não se enquadra na tipificação penal de racismo religioso.

Independentemente da posição em que atue, é fundamental que o advogado criminalista tenha uma postura respeitosa em relação às crenças e valores das pessoas envolvidas no caso, evitando qualquer tipo de discriminação ou preconceito.

Racismo religioso cresce no país

Recentemente, o Senado publicou um artigo sobre o tema chamado Racismo religioso cresce no país, prejudica negros e corrói democracia.

CLIQUE AQUI para ler o artigo na íntegra.

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