Revogação da Lei de Segurança Nacional pela Lei 14.197/21 e os Crimes contra o Estado Democrático de Direito

Revogação da Lei de Segurança Nacional

Quando entra em vigor a Lei 14.197?

A Lei 14.197, publicada no dia 02 de setembro de 2021, entrará em vigor após decorridos 90 dias da sua publicação.

A referida lei revoga a Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/83) , acrescenta Acrescenta o Título XII na Parte Especial do Código Penal e revoga a contravenção penal de “Participar de associação de mais de cinco pessoas, que se reunam periodicamente, sob compromisso de ocultar à autoridade a existência, objetivo, organização ou administração da associação”, prevista no artigo 39 da Lei de Contravenções Penais (DL 3688/41) e altera os artigos 141 (causas de aumento nos crimes contra a honra) e 286 (Incitação ao Crime) do Código Penal.

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Quais são os Crimes contra o Estado Democrático de Direito?

Com a revogação da Lei de Segurança Nacional, foram incluídos no Código Penal os Crimes contra o Estado Democrático de Direitos, tipificados ao longo dos artigos 359 I a P, constituindo o Título XII do Código Penal (parte especial), dividido em cinco capítulos, quatro dos quais prevêem os Crimes contra o Estado Democrático de Direito, classificando-os em: Crimes contra a Soberania Nacional, Crimes contra as Instituições Democráticas, Crimes contra o funcionamento das instituições democráticas do processo eleitoral e Crimes e Crimes contra o Funcionamento dos Serviços Essenciais

Crimes contra a Soberania Nacional

O artigo 359-I prevê o crime de Atentado à soberania (Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo:), cuja pena é de reclusão de 3 a 8 anos. O tipo penal ainda prevê causa de aumento de pena e forma qualificada, podendo a pena máxima chegar a 12 aos.

O artigo 359-J prevê o crime de Atentado à integridade nacional (Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente), cuja pena é de reclusão de 2 a 6 anos, além da pena correspondente à violência praticada.

O artigo 359-K prevê o crime de Espionagem (Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional), cuja pena é de reclusão de 3 a 12 anos. O tipo penal prevê ainda a forma equiparada de prestar auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da autoridade pública. Nos parágrafos 2o e 3o há ainda uma forma qualificada e uma forma privilegiada. Com isso, a pena máxima do crime de espionagem pode chegar a 15 anos. Além das condutas típicas, o parágrafo 4o estabelece que Não constitui crime a comunicação, a entrega ou a publicação de informações ou de documentos com o fim de expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos.

Crimes contra as Instituições Democráticas

O artigo 359-L prevê o crime de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais) cuja pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

O artigo 359-M prevê o crime de Golpe de Estado (Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído), cuja pena é de reclusão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

Crimes contra o Funcionamento das Instituições Democráticas do Processo Eleitoral

O artigo 359-N prevê o crime de Interrupção do processo eleitoral (Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral), com pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa.

O artigo 359-P prevê o crime de Violência Política (Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional), com pena de reclusão de 3 a 6 anos, além da pena correspondente à violência.

No capítulo III foram vetados os artigos 359-O (comunicação enganosa em massa)  e 359-Q (que dispunha sobre ação penal subsidiária).

O crime de comunicação enganosa em massa permitiria a punição da conduta de divulgação das denominadas Fakes News.

Razões do Veto ao artigo 359-O do Código Penal:

A proposição legislativa estabelece como tipo penal a comunicação enganosa em massa definindo-o como ‘promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral’, estipulando pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objeto da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou (mesmo sem intenção de massificá-la), bem como enseja dúvida se o crime seria continuado ou permanente, ou mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, o que acaba por provocar enorme insegurança jurídica. Outrossim, o ambiente digital é favorável à propagação de informações verdadeiras ou falsas, cujo verbo ‘promover’ tende a dar discricionariedade ao intérprete na avaliação da natureza dolosa da conduta criminosa em razão da amplitude do termo.

A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraqueceria o processo democrático e, em última análise, a própria atuação parlamentar.” 

Razões do Veto ao artigo 359-Q:

A proposição legislativa estabelece a ação penal subsidiária privada definindo que ‘para os crimes previstos neste Capítulo, admite-se ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito’.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, por não se mostrar razoável para o equilíbrio e a pacificação das forças políticas no Estado Democrático de Direito, o que levaria o debate da esfera política para a esfera jurídico-penal, que tende a pulverizar iniciativas para persecução penal em detrimento do adequado crivo do Ministério Público. Nesse sentido, não é atribuição de partido político intervir na persecução penal ou na atuação criminal do Estado.” 

Crimes contra o Funcionamento dos Serviços Essenciais

O Capítulo IV prevê apenas o Crime de Sabotagem, no seu artigo 359-R (Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito), com pena de reclusão de 2 a 8 anos.

Veto ao Capítulo V

O capítulo V foi vetado e continha os crimes contra a Cidadania.

O artigo 359-S previa o crime de Atentado a Direito de Manifestação, cuja pena prevista seria de 1 a 4 aos, com previsão de duas formas qualificadas.

Vejamos as razões do veto ao artigo 359-S:

A proposição legislativa estabelece como tipo penal o atentado a direito de manifestação definindo-o como ‘impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos’, que resultaria em pena de reclusão de um a quatro anos. Se culminar em lesão corporal grave, resultaria em pena de reclusão de dois a oito anos. Por sua vez, se resultar em morte, a reclusão seria de quatro a doze anos.

A despeito da boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, ante a dificuldade de caracterizar, a priori e no momento da ação operacional, o que viria a ser manifestação pacífica, o que geraria grave insegurança jurídica para os agentes públicos das forças de segurança responsáveis pela manutenção da ordem. Isso poderia ocasionar uma atuação aquém do necessário para o restabelecimento da tranquilidade, e colocaria em risco a sociedade, uma vez que inviabilizaria uma atuação eficiente na contenção dos excessos em momentos de grave instabilidade, tendo em vista que manifestações inicialmente pacíficas poderiam resultar em ações violentas, que precisariam ser reprimidas pelo Estado.

Disposições Comuns

As disposições comuns estão previstas ao longo do Capítulo VI.

O artigo 359-T prevê que Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.

No capítulo VI, foi vetado o artigo 359-U, que previa causas de aumento de pena quando os crimes contra o Estado Democrático de Direito fossem praticados com emprego de arma de fogo ou se fossem praticados por funcionário público.

Vejamos as razões do veto ao artigo 359-U:

A proposição legislativa estabelece que, nos crimes definidos neste Título, a pena é aumentada de um terço, se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo; de um terço, cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público; e de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.

Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição contraria interesse público, pois não se pode admitir o agravamento pela simples condição de agente público em sentido amplo, sob pena de responsabilização penal objetiva, o que é vedado.

Revogação do Artigo 39 da Lei de Contravenções Penais (DL 3688/41):

A Lei 14.197/21 revogou o artigo 39 da LCP, que prevê uma Contravenção Penal contra a Paz Pública.

Art. 39. Participar de associação de mais de cinco pessoas, que se reunam periodicamente, sob compromisso de ocultar à autoridade a existência, objetivo, organização ou administração da associação: Pena – prisão simples, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a três contos de réis. § 1º Na mesma pena incorre o proprietário ou ocupante de prédio que o cede, no todo ou em parte, para reunião de associação que saiba ser de carater secreto. § 2º O juiz pode, tendo em vista as circunstâncias, deixar de aplicar a pena, quando lícito o objeto da associação.

Alterações no Artigo 141 e no Artigo 286 do Código Penal, realizadas pela Lei 14.197/21:

O Artigo 141 do Código Penal prevê aumento de 1/3 da pena dos crimes de calúnia, difamação e injúria.

Foi alterado o Inciso II do referido artigo, que antes previa apenas causa de aumento de pena quando o crime contra a honra fosse praticado por funcionário público, em razão de suas funções.

O inciso II do artigo 141 passa a ter a seguinte redação:

II – contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;

Já no artigo 286 do Código penal (Incitação ao Crime), foi incluído o parágrafo único:

Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.”

  

Vigência da Lei 14.197/21:

Como a Lei 14.197 possui o período de vacatio legis de 90 dias, suas disposições só entram em vigor após transcorrido esse período.

Cabe destacar que mesmo após a entrada em vigor, suas disposições maléficas (sejam as que tipificam novos crimes ou que aumentam penas) somente poderão ser aplicadas a condutas praticadas a partir da sua vigência.

  

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2 respostas

  1. Prezada, Professora achei maravilhoso os comentários a respeito da revogação da Lei de Segurança, pretendo acompanhá -la e outras matérias. A todos estudantes de matéria criminal é sempre oportuno termos pessoas voltadas ao ensino o que nos guiará em nossas caminhadas diária, muito obrigado pela sua dedicação.

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