STJ: Estupro de vulnerável e gravação clandestina

Gravação ambiental clandestina é válida se direito protegido tem valor superior à privacidade do autor do crime

Gravação ambiental clandestina é válida se direito protegido tem valor superior à privacidade do autor do crime?

Hoje, queremos trazer os temas Estupro de vulnerável e gravação clandestina para estudarmos juntos.

Essa semana, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é válida como prova a captação ambiental clandestina quando

o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à intimidade do autor do crime.

Segundo o colegiado, as gravações podem ser consideradas lícitas especialmente quando se mostram como o único meio de comprovação do delito

e envolvem direitos fundamentais mais relevantes do que a garantia de inviolabilidade da imagem do ofensor. 

Veja que esta é uma decisão importante para sua prática penal.

Sabemos o entendimento dos Tribunais Superiores, nós, advogados criminalistas, temos um parâmetro para avaliar possíveis argumentos contras e a favor do nosso cliente acusado.

No artigo de hoje, trouxemos essa recente decisão do STJ e apontaremos alguns pontos de importância sobre o tema, nos quais passarei a tecer alguns comentários, sem esgotar o assunto, com foco no crime de estupro de vulnerável.

LEIA MAIS ABAIXO:

Gravação das imagens do estupro de vulnerável que embasaram a denúncia foi feita sem o conhecimento da vítima

O entendimento foi estabelecido pela turma ao negar o pedido de trancamento de uma ação penal por estupro de vulnerável, no qual a defesa alegou que a gravação das imagens que embasaram a denúncia foi feita sem o conhecimento da vítima e do ofensor

e sem prévia autorização da polícia ou do Ministério Público – o que configuraria uma violação à Lei 9.296/1996.

Ainda segundo a defesa, o local onde foi feita a gravação clandestina não era um ambiente público, e a captação das imagens se deu por meio de dispositivo privado.

Proteção constitucional da imagem admite quebra em situações excepcionais

Relator do habeas corpus, o ministro Ribeiro Dantas lembrou que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabeleceu como direitos fundamentais

o sigilo e a proteção da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas.

Contudo, ponderou o ministro, esses direitos não são absolutos, permitindo-se excepcionalmente a sua quebra.

Entre essas hipóteses excepcionais, o relator apontou que a Lei 13.964/2019 inseriu na Lei 9.296/1996 o artigo 8º-A, cujo parágrafo 4º estabelece que

a captação ambiental de sons ou imagens feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento da polícia ou do Ministério Público, poderá ser utilizada como prova de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.

Já o artigo 10-A da Lei 9.296/1996 – também acrescentado pelo Pacote Anticrime – diz que

a captação ambiental sem autorização judicial (nos casos em que ela for exigida) constitui crime, mas não quando a gravação é feita por um dos interlocutores.

Ribeiro Dantas comentou que, após as alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, tem havido debates sobre a fixação de novos parâmetros para a admissão da gravação ambiental clandestina, especialmente quando se pretende usá-la como prova de acusação.

“Não obstante a redação do artigo 8º-A, parágrafo 4º, a doutrina majoritária se posiciona no sentido da licitude da referida prova tanto para a acusação quanto para a defesa, sob pena de ofensa ao princípio da paridade das armas, da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais. A nova regulamentação, portanto, não alcança apenas o direito de defesa, mas também as vítimas de crimes”, completou.

Vítima estava desacordada no momento do crime

Segundo o ministro, no caso analisado pela Quinta Turma, não haveria meio menos grave para os direitos do ofensor do que a captação ambiental,

tendo em vista que os elementos do processo indicaram a tentativa do réu de esconder os crimes.

Além disso, para o relator, a gravação também se mostrou proporcional porque, analisando os valores envolvidos no caso,

“não há como afirmar que o sigilo da conduta do paciente, ou sua intimidade e privacidade, sejam mais importantes do que a dignidade sexual da ofendida, possível vítima de violência presumida” – sobretudo, considerando que, conforme registrado nos autos, ela estava desacordada no momento do crime.  

De acordo com Ribeiro Dantas, embora a gravação clandestina pudesse ser enquadrada inicialmente como o delito do artigo 10-A da Lei 9.296/1996, no contexto dos autos, ela é alcançada pela excludente de antijuridicidade, pois

a conduta de quem gravou as imagens, embora cause danos à privacidade e à intimidade da pessoa gravada, foi utilizada contra agressão injusta, atual e iminente.

Concluiu o ministro

“Sendo assim, não há ilicitude a ser reconhecida, devendo a ação penal ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pela acusação”

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Estupro de vulnerável na prática da advocacia criminal

Este é um tema extremamente importante, tanto para quem vai se submeter ao Exame de Ordem, quanto para que já atua na advocacia criminal.

Inicialmente, importante lembrar que, os crimes contra a dignidade sexual estão previstos no Título VI do Código Penal,

cujo Capítulo I traz a previsão dos crimes contra a liberdade sexual, e a sua leitura é essencial para o entendimento do tema.

Agora, queremos relembrar aqui a diferença entre estupro e estupro de vulnerável.

Diferença entre estupro e estupro de vulnerável

Cabe mencionar que, a primeira modalidade de estupro está prevista no artigo 213 do Código Pe­nal e tem como objetivo tutelar a dignidade sexual da vítima, a qual foi constran­gida mediante violência ou grave ameaça. Vejamos:

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:       

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.       

§1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.           

§2º Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos 

Já a segunda modalidade de estupro, está prevista no artigo 217-A do Código Pe­nal, e observa-se que neste artigo,

não há menção da violência ou grave ameaça, mas tão somente, a vulnerabilidade da vítima.

No entanto, é possível que tal crime ocorra com ou sem a presença de violência ou de grave ameaça à vítima, desde que ela seja considerada pessoa vulnerável.

Um dos pontos fundamentais, portanto, é entender que o critério que diferencia o artigo 217-A do Código Penal da previsão contida no artigo 213 é a vulnerabilidade da vítima.

Vejamos:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resis­tência.

§3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§4º Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se inde­pendentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

Espécies de vulnerabilidade no crime de estupro de vulnerável

Assim, o artigo 217 é o primeiro dos crimes sexuais contra vulnerável e prevê três espécies de vulnerabilidade, quais sejam:

1 – Menor de 14 anos;

2 – Quem por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

3 – Quem por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Frisa-se que o meio praticado no artigo 217-A não é tão relevante quanto à condição de vulnerabilidade da vítima.

Ou seja, independentemente do meio empregado, a prática de ato libidinoso com pessoa vulnerável, caracteriza crime de estupro de vulnerável.

Se a vítima é vulnerável e o agente tem ciência disso, não importa como o ato libidinoso foi praticado (com consentimento, violência, grave ameaça ou fraude),

o crime será sempre de estupro de vulnerável.

Experiência sexual anterior no estupro de vulnerável

Também não importa se a vítima tinha anterior experiência sexual ou ainda se havia relacio­namento amoroso entre ela e o agente.

Neste sentido, o enunciado 593 do STJ, corroborado pela alteração legislativa que incluiu o parágrafo 5º no artigo 217-A:

O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacio­namento amoroso com o agente

Desta forma, nesses casos, presume-se que toda vítima menor de 14 anos é vulnerável.

No Curso Completo de Direito Penal temos um módulo especifico sobre crimes contra a dignidade sexual onde ensino com detalhes as modalidades de estupro e seus aspectos importantes para a prática penal.

Estupro de vulnerável e a prática criminal

Um dos pontos mais importantes e atuais relacionados ao estupro de vulnerável é quanto à ação penal.

Cabe destacar que a Lei 13718, que entrou em vigor no dia 25 de setembro de 2018, deu nova redação ao artigo 225, para estabelecer que os crimes contra a liberdade sexual,

assim como os crimes sexuais contra vulnerável seriam de ação penal pública condicionada à representação.

Com isso, foi revogada a hipótese de ação penal pública condicionada à representação, que existia para os crimes contra a liberdade sexual, na anterior redação do artigo 225.

O primeiro ponto a ser discutido é a natureza da alteração legislativa.

Ao modificar a ação penal em alguns crimes contra a dignidade sexual (arts. 213, 215 e 216 A) de pública condicionada à representação para pública incondicionada, a referida lei foi maléfica.

Com isso, o entendimento a favor da defesa seria no sentido de que não poderia haver retroatividade de tal disposição.

Ou seja, para crimes praticados antes da vigência da Lei 13.718, continuaria sendo exigida a representação para que o sujeito ativo respondesse pelo crime.

Natureza da ação penal em caso de vulnerabilidade temporária no crime de estupro

Na sua prática penal, você pode se deparar com um caso de estupro de vulnerável onde a vítima possuía vulnerabilidade temporária, decorrente de embriaguez, por exemplo.

Neste caso, se seu cliente foi denunciado por estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º), praticado antes do dia 25 de setembro de 2018,  com alegação de que a vítima, em virtude da embriaguez, não podia oferecer resistência, caso já tenham se passado mais de 6 meses após a autoria ter sido descoberta,

é possível desenvolver tese de defesa, alegando que o estupro de vulnerável somente é crime de ação penal pública incondicionada quando a vulnerabilidade for permanente (ex: doente mental).

Se a vulnerabilidade for temporária (ex: decorrente de embriaguez), a ação penal seria condicionada à representação.

Sobre esse tema, a Sexta Turma do STJ entende que, no crime sexual cometido durante vulnerabilidade temporária da vítima, sob a égide do art. 225 do Código Penal com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009, a ação penal pública é condicionada à representação.

Logicamente que tal hipótese somente seria discutível em caso de conduta praticada antes da alteração que mencionamos acima, pela Lei 13718, eis que a partir dela,

todo e qualquer crime contra a dignidade sexual passa a ser de ação penal pública incondicionada.

Abaixo destaco as informações do inteiro teor da decisão trazida pelo informativo 675 do STJ, publicado dia 14 de agosto de 2020 (REsp 1.814.770-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 01/07/2020):

“Cinge-se a controvérsia acerca da natureza da ação penal pública pelo delito de estupro de vítima em estado de temporária vulnerabilidade, em que a vítima recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal do ofensor, no caso, embriaguez, cometido sob a égide da redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015/2009.

Verifica-se que a Quinta Turma alberga a posição segundo a qual a vulnerabilidade, ainda que temporária, transforma a ação penal pelo crime de estupro em pública incondicionada.

Na Sexta Turma, de outro lado, tem-se o julgado do HC 276.510/RJ, em que se decidiu que a ação, nos casos de estupro de vítima em vulnerabilidade temporária é pública condicionada à representação.

Como se pode observar, o tema é controverso, mas a superação do estado de vulnerabilidade é uma alteração na realidade fática que não pode ser ignorada no plano jurídico. Ainda que a lei não tenha feito, de forma expressa, a distinção, nada impede que o intérprete constate a ocorrência de situações distintas, que não podem ser tratadas de forma igual, sob pena de violação à isonomia, em seu aspecto material.

A vulnerabilidade, como condição excepcional que é, geradora de situação desfavorável aos réus, tem de ser interpretada de forma restrita, em observância aos princípios da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência.

Assim, uma vez cessada a vulnerabilidade, a ação penal pelos crimes sexuais deve continuar sendo pública condicionada à representação. Isso porque a ofendida, ao se recuperar do seu estado de embriaguez, tem restabelecidas todas as condições e recupera o discernimento necessário para tomar a decisão acerca da persecução penal ou não do agente causador do delito sexual.”

E com isso, espero ter contribuído para esclarecer suas dúvidas com relação a este tema que é de suma relevância para a sua prática penal.

Esse é um dos temas que exploro detalhadamente no Curso Completo de Direito Penal, que faz parte da Comunidade Criminalistas de Elite, onde abordamos toda a parte geral e especial do Código Penal.

Esperamos que tenham gostado do conteúdo. Comente abaixo!

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Respostas de 2

  1. Profa. Cristiane Dupret, os crimes contra a dignidade sexual são complesos, mas a senhorita faz o tema ficar mais fácil com a sua excelente explicação. Muito obrigado.

  2. Dra, acredito que este tema deve ser como a Sra mesmo o fez de forma assertiva, discutido e avaliado por nossos juristas, mas gostaria de acrescentar algo nesse ponto e por isso do meu comentário; nos casos em que haja e seja constatado a ” vulnerabilidade” DE FORMA LEVE, como devemos proceder¨ Eu tenho um caso, assim, o meu cliente teve um relacionamento esporádico com a irmã de sua companheira, com o consentimento da vítima e ela era interditada pelo INSS com o diagnóstico “leve de retardo”. A sua ex-companheira depois separou-se dele por não querer mais ficar com ele,porém por “vingança” a vítima e sua irmã entraram com a representação. Apresentei um relatório psiquiátrico forense que o Dr Juiz de 1a.Instância ignorou e o meu cliente foi condenado a mais de 30 anos , sem nunca ter ido a uma delegacia !!!!!

    Como fica essa situação ? Quero entrar com um Habeas Corpus, mas a Lei não me ampara, porque a vítima é vulnerável permanente…. ate´que ponto??????????

    Fica aqui o meu comentário e a minha dúvida!!!!! Obrigada pela publicação. Como sempre , tem demonstrado ser uma ilustre mestre na Área Penal, nos ajudando e trazendo aos seus alunos vastos conhecimentos. Obrigada”

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