Audiência de instrução criminal: estratégias para advogados criminalistas
A audiência de instrução e julgamento é um dos momentos mais decisivos do processo penal. É nela que se constrói — ou se destrói — a narrativa defensiva, sendo o ponto culminante da produção probatória.
Para o advogado criminalista, dominar as estratégias, compreender a dinâmica dos atos e saber reagir a imprevistos em tempo real é o que diferencia uma atuação comum de uma defesa verdadeiramente técnica e eficaz.
Este artigo oferece uma análise aprofundada sobre táticas de defesa em audiência de instrução, abordando desde a preparação prévia, passando pela ordem dos atos processuais e a importância do interrogatório, até dicas práticas para reperguntar testemunhas, contraditar depoimentos e preservar nulidades para apelação.
Não temos a intenção de esgotar o tema aqui, mas trazer alguns pontos interessantes para a sua prática penal.
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Assista o vídeo e depois prossiga na leitura.
1. A importância da preparação prévia na audiência de instrução defesa penal
A preparação é o pilar da atuação defensiva em audiência de instrução e julgamento.
Nenhum advogado criminalista deve comparecer à audiência sem um estudo minucioso dos autos, das provas e dos perfis das testemunhas e corréus.
A audiência de instrução é o palco da verdade processual — e, como em qualquer palco, o improviso só funciona quando há preparo.
O defensor precisa antecipar cenários, simular perguntas, prever contradições e estabelecer uma linha argumentativa coerente com a tese de defesa escolhida.
1.1. Revisão dos autos e definição da estratégia
Antes da audiência, o advogado deve revisar:
A denúncia ou queixa-crime, identificando a imputação precisa (art. 41 do CPP);
O inquérito policial, comparando-o com as provas judicializadas;
As provas já produzidas — especialmente eventuais interceptações, laudos e reconhecimentos pessoais;
Os antecedentes das testemunhas, inclusive sua relação com o acusado.
Com base nessa revisão, define-se a tese central de defesa: negativa de autoria, legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa, ausência de dolo, atipicidade da conduta, entre outras.
A partir daí, o defensor deve montar o roteiro da audiência, elencando quais pontos precisam ser firmados ou desconstruídos durante a oitiva das testemunhas.
1.2. Preparação do acusado
O acusado deve ser preparado com antecedência — e não apenas minutos antes da audiência.
Explique-lhe a ordem dos atos, o direito ao silêncio, as repercussões de cada resposta e a importância da serenidade.
O interrogatório é, muitas vezes, o momento de maior impacto psicológico. Um acusado mal orientado pode comprometer meses de trabalho da defesa.
1.3. Estudo do perfil do juiz e do promotor
O advogado experiente sabe que cada magistrado e cada promotor têm estilos próprios. Alguns são mais técnicos; outros, mais inquisitivos.
Estudar o perfil do juiz que presidirá a audiência permite ajustar o tom da defesa: quando ser mais combativo, quando ser mais didático, quando insistir em nulidades ou aguardar o momento oportuno.
2. A ordem dos atos e a importância do interrogatório
A audiência de instrução e julgamento segue uma ordem legal prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, com as adaptações introduzidas pela Lei 11.719/2008:
“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como ao interrogatório do acusado, ao reconhecimento de pessoas e coisas e à acareação.”
Essa ordem não é aleatória — ela reflete uma lógica processual: a defesa fala por último.
E isso é uma garantia fundamental.
2.1. A lógica da ordem dos atos
Ao ouvir primeiro as testemunhas de acusação, o advogado criminalista tem a chance de identificar contradições e ajustar a estratégia durante a própria audiência.
Em seguida, ao inquirir as testemunhas de defesa, pode reforçar pontos fracos da acusação e fortalecer a versão do acusado.
Por fim, o interrogatório é o momento em que o réu, munido de tudo o que foi produzido antes, responde de forma estratégica, alinhada à defesa técnica.
2.2. O interrogatório como ato de defesa
Com a reforma do CPP e a virada constitucional do processo penal (influenciada pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal), o interrogatório deixou de ser mero meio de prova e passou a ser ato de defesa.
O advogado deve decidir, estrategicamente, se o acusado responderá ou não. Em muitos casos, o silêncio é a melhor opção — sobretudo quando a prova acusatória é frágil e o risco de contradição é alto.
Contudo, quando o réu fala, é essencial que:
O advogado oriente-o a responder com segurança e objetividade;
Seja evitada a autoincriminação involuntária;
As respostas estejam em harmonia com a tese defensiva.
Em crimes complexos, como tráfico de drogas ou organização criminosa, o interrogatório pode ser usado para dissociar o acusado do núcleo da ação criminosa, demonstrando ausência de vínculo subjetivo com os demais réus.
3. Dicas práticas para reperguntar testemunhas e contraditar depoimentos
A arte de reperguntar é o coração da atuação em audiência de instrução defesa penal.
O momento de inquirição das testemunhas é o instante em que o advogado criminalista tem contato direto com a fonte probatória. É quando a defesa sai do papel e ganha voz.
3.1. Reperguntas que fazem diferença
As perguntas devem ser:
Objetivas: o juiz valoriza perguntas claras, sem retórica;
Cirúrgicas: direcionadas a fatos específicos, evitando divagações;
Inteligentes: voltadas à demonstração de inconsistências, motivações pessoais ou ausência de percepção direta dos fatos.
Evite perguntas que permitam longas narrativas do depoente, pois ele pode “corrigir” uma contradição anterior.
Ao contrário, formule perguntas que obriguem respostas curtas e diretas, permitindo à defesa explorar o erro.
Exemplo:
“O senhor viu o acusado entregar algum objeto ao suposto comprador?”
“A que distância estava quando presenciou o fato?”
“Quantas pessoas estavam no local?”
Essas perguntas simples, mas bem direcionadas, podem desmontar a narrativa acusatória.
3.2. Contradita de testemunhas
A contradita é o momento em que o advogado questiona a idoneidade ou imparcialidade da testemunha (art. 214 do CPP).
É uma ferramenta poderosa e muitas vezes negligenciada.
Pode-se contraditar, por exemplo, testemunhas que:
Têm relação de inimizade com o réu;
São parentes de vítimas ou de corréus;
Dependem hierarquicamente de autoridades envolvidas;
Já manifestaram opinião pública sobre o caso.
A contradita deve ser feita imediatamente após a qualificação da testemunha, antes do início do depoimento.
Registre-se o protesto em ata, mesmo que o juiz indefira a contradita — isso é essencial para preservar a nulidade.
3.3. Impugnação de depoimentos contraditórios
Durante a audiência, o advogado deve anotar as contradições e, ao final, requerer que constem expressamente na ata.
Isso permite, em eventual apelação, demonstrar erro de valoração da prova ou violação ao princípio do livre convencimento motivado (art. 155 do CPP).
4. Como preservar nulidades para apelação
Uma das funções mais técnicas do advogado criminalista é preservar nulidades.
Não basta percebê-las — é preciso registrá-las adequadamente, sob pena de preclusão.
4.1. O que é preciso registrar
Durante a audiência de instrução defesa penal, toda irregularidade processual deve ser:
Verbalizada em audiência — com requerimento expresso;
Registrada em ata — de forma clara e objetiva;
Reiterada por petição, se necessário — especialmente em nulidades mais graves.
4.2. Exemplos de nulidades frequentes
Oitiva de testemunha sem intimação prévia da defesa (violação do contraditório – art. 212, CPP);
Indeferimento imotivado de perguntas (violação à ampla defesa);
Ausência de intimação pessoal do defensor dativo ou da Defensoria Pública;
Inversão indevida da ordem dos atos processuais (art. 400, CPP);
Audiência realizada sem a presença do réu, quando obrigatória (art. 185, CPP).
Em cada hipótese, deve-se registrar o protesto e pedir que conste a expressão:
“A defesa protesta pela nulidade do ato e requer que tal manifestação conste integralmente na ata.”
Essa fórmula simples já é suficiente para preservar o tema para futura apelação (art. 571, CPP).
Você precisar ler o artigo sobre como alegar nulidades clicando aqui.
4.3. O perigo da preclusão
O art. 571, inciso VIII, do CPP estabelece que as nulidades devem ser arguidas “logo depois de ocorridas”.
Isso significa que, se o advogado não protestar na hora, a nulidade é considerada sanada.
Por isso, é dever da defesa atuar com atenção e prontidão, ainda que a audiência esteja sendo gravada.
5. Pós-audiência: registro e reavaliação da estratégia
Após o encerramento da audiência de instrução e julgamento, o trabalho não termina.
É hora de:
Analisar a gravação (se houver);
Revisar a ata, certificando-se de que todos os protestos e observações constem;
Identificar contradições e inconsistências que servirão de base para as alegações finais ou eventual recurso de apelação.
O advogado criminalista deve entender que cada audiência é também um laboratório de aprendizado.
Anotar os comportamentos do juiz, o perfil das testemunhas e os resultados de determinadas estratégias ajuda a aprimorar futuras atuações.
6. Considerações finais: a audiência como arte da defesa
A audiência de instrução e julgamento é o momento mais humano e imprevisível do processo penal.
Não há modelo fechado que garanta o sucesso — o que existe é técnica, preparação e sensibilidade.
O advogado criminalista precisa equilibrar firmeza e respeito, combatividade e técnica, sabendo que cada palavra dita em audiência pode repercutir em sentença e, eventualmente, em um tribunal de apelação.
Dominar a audiência de instrução defesa penal é compreender que a justiça se constrói em cada pergunta, em cada protesto, em cada detalhe.
É ali que se mede a verdadeira competência de um defensor: não apenas por conhecer o direito, mas por saber transformar o direito em estratégia.
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