O que é princípio da insignificância impróprio

Hoje, resolvi falar de um tema que não é facilmente encontrado em qualquer livro, mas que já foi cobrado em concursos públicos e que causa muitas dúvidas. Trata-se do princípio da insignificância impróprio, também denominado princípio bagatelar ou princípio da irrelevância penal do fato.

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Princípio da insignificância impróprio e sua diferença para o princípio da insignificância próprio

1 – Origem histórica

A incorporação do princípio da insignificância ao Direito Penal surgiu em meados de 1970, pelos estudos de Claus Roxin. Também conhecido como “criminalidade de bagatela”, sua premissa é a possibilidade de afastamento do âmbito penal das condutas incapazes de gerar lesão ou perigo de lesão a algum dos bens jurídicos tutelados na seara penal.

2 – Finalidade

            A finalidade principal do princípio da insignificância é a realização de uma interpretação restritiva da lei penal; ou seja, limita a sua incidência prática. Cumpre ressaltar que o referido princípio possui estreita relação com o princípio da intervenção mínima, diante da necessidade de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Neste sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal:

O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação insere-se num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves. Numa visão humanitária do Direito Penal, então, é de se prestigiar esse princípio da tolerância, que, se bem aplicado, não chega a estimular a ideia de impunidade. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da insignificância, é imprescindível que aplicação se dê de maneira criteriosa, contribuindo sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público. (HC 104.787/RJ, rel, Min, Ayres Britto, 2ª Turma, j. 26.10.2010).

            Da leitura da aludida ementa, pode-se observar que a análise da aplicabilidade do princípio da insignificância será casuística; a título exemplificativo, o artigo 155, caput do Código Penal dispõe que subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel consiste no crime de furto; entretanto, se porventura o caso concreto versar acerca da subtração de uma caneta de baixo valor por um agente que não ostente maus antecedentes e seja tecnicamente primário, no campo material, não há que se falar em tipicidade da conduta.

3 – Natureza Jurídica

            Quanto ao princípio da insignificância próprio, comumente aplicado pelos nossos Tribunais, cuida-se de causa de exclusão da tipicidade, ou seja, seu reconhecimento resulta na atipicidade do fato.

            Embora haja subsunção do fato à norma (tipicidade formal), resta prejudicada a tipicidade material, uma vez que inexiste lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Vale salientar, neste ponto, que a união da tipicidade formal e da tipicidade material resulta na tipicidade conglobante, que, nos dizeres de Rogério Greco, comporta dois aspectos fundamentais: a) a conduta do agente é antinormativa; b) o fato é materialmente típico. Para Zaffaroni, a tipicidade conglobante é formada pela atipicidade legal + antinormatividade.

            Importante ressaltar que, uma vez que sua consequência é a atipicidade do fato, nada impede que seja concedido de ofício por habeas corpus (STF: HC 97.836/RS, min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 19.05.2009, Info. 547) ou após o trânsito em julgado da condenação (HC 95.570/SC, rel. min. Dias Toffoli, 1ª Turma, j. 01.06.2010, Info. 589).

Já o denominado princípio bagatelar impróprio, também chamado de princípio da irrelevância penal do fato, apresenta consequências na punibilidade.

O princípio bagatelar impróprio, brilhantemente explanado pelo saudoso jurista Luiz Flavio Gomes, visa a inaplicabilidade da pena, nos casos concretos em que ela não se afigure como necessária. Este princípio ensina que, havendo uma irrelevância penal do fato, ou seja, não obstante presentes o desvalor da conduta e do resultado, vislumbrando-se a conduta típica (formal e materialmente), ilícita e culpável, a aplicação da pena, levando em consideração as circunstâncias estabelecidas no caso concreto, sobretudo em relação ao histórico do autor do fato, torna-se consideravelmente desnecessária. Neste sentido, depreende-se que a pena deve ter, acima de tudo, um caráter preventivo e, não unicamente, um caráter de mera retribuição. Isso quer dizer que, por mais que tenha havido uma lesão ao bem jurídico, a pena pode não ser aplicada se, evidentemente, há elementos que comprovam a sua aplicação inócua e contraproducente. Seguindo esta esteira, a própria parte final do artigo 59  do código penal ensina que a fixação da pena deve ser perpetrada conforme haja uma necessidade e seja, ademais, suficiente para a reprovação e prevenção do delito. 

4 – Requisitos

            Conforme anteriormente mencionado, a análise da aplicabilidade do princípio da insignificância ocorre de forma casuística. A análise de seu cabimento ocorre desta forma em razão da necessidade de cumulação de requisitos objetivos, vinculados ao caso concreto, e requisitos subjetivos, vinculados ao agente e à vítima.

            No que tange aos requisitos objetivos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal os fixou da seguinte maneira: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica (RHC 118.972/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ acórdão Min. Cármem Lúcia, 2ª Turma, j. 03.06.2014).

            Cumpre salientar, inclusive, que a necessidade de análise casuística de sua aplicação decorre de sua própria origem, que esbarra na política criminal[1].

            No informativo 622 do Superior Tribunal de Justiça, noticiou-se o julgamento de um caso envolvendo delitos patrimoniais no qual, em que pese a inexpressividade abstrata do valor furtado, as circunstâncias do caso concreto impediram a aplicação o referido princípio. Vejamos:

No caso em análise, teria a paciente, segundo a denúncia, subtraído um cofrinho contendo R$ 4,80 (quatro reais e oitenta centavos) da Associação dos Voluntários de Combate ao Câncer – AVCC, induzindo seu filho de apenas 09 anos a pegar o objeto e colocá-lo na sua bolsa. Nesse contexto, verifica-se o princípio da insignificância não se aplica ao caso, porquanto, as características dos fatos revelam reprovabilidade suficiente para a consumação do delito, embora o ínfimo valor da coisa subtraída. O referido princípio se aplica a fatos dotados de mínima ofensividade, desprovidos de periculosidade social, de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e que a lesão jurídica provocada seja inexpressiva. (STF, HC n. 84.412-0/SP, Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJU de 19/11/2004). Observa-se, assim, que não há falar em mínima ofensividade e nem reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, porquanto foi subtraído o bem com o induzimento do próprio filho menor da ora paciente a pegá-lo e, lamentavelmente, contra uma instituição sem fins lucrativos que dá amparo a crianças com câncer. Ainda que irrelevante a lesão pecuniária provocada, porque inexpressivo o valor do bem, a repulsa social do comportamento é evidente. Viável, por conseguinte, o reconhecimento da tipicidade conglobante do comportamento irrogado.

5 – Aplicabilidade

            O princípio da insignificância poderá ser aplicado a qualquer delito que com ele guarde compatibilidade, e não somente crimes patrimoniais. Cumpre registrar que não há valor taxativo do bem que permita a sua (in)aplicação, devendo-se realizar uma análise casuística com base nos requisitos supracitados.

            Neste particular, registre-se a necessidade de diferenciação quanto ao furto privilegiado e o princípio da insignificância aplicado ao crime previsto no artigo 155 do Código Penal: o furto privilegiado demanda coisa de pequeno valor (inferior a um salário mínimo), ao passo que a bagatela exige valor irrelevante ao Direito Penal, sendo incapaz de causar ofensa ao bem jurídico tutelado.

            Existem delitos que, naturalmente, são incompatíveis com a bagatela, podendo-se citar: crimes hediondos e equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo), racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Isto porque os aludidos delitos possuem máximo potencial ofensivo, recebendo tratamento mais gravoso pela Constituição Federal (art. 5º, XLII, XLIII e XLIV).

            Importante mencionar, ainda, a inaplicabilidade da bagatela ao crime de roubo, que, embora tenha reflexo patrimonial, ofende bens jurídicos diversos (patrimônio e integridade da pessoa), não havendo que se falar em desinteresse estatal à sua repressão.

            Quanto aos crimes contra a Administração Pública, em que pese a ofensa à moralidade administrativa e à probidade dos agentes públicos, mesmo em hipóteses de lesão econômica irrisória, existe precedente do STF admitindo sua aplicação de forma excepcional (HC 103.370/SP). Cumpre mencionar, entretanto, a existência de verbete sumular do STJ em sentido contrário: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”. (Súmula 599 do STJ).

            No que se refere ao delito de tráfico de drogas, a posição do STJ é pela sua inaplicabilidade, especialmente por se tratar de crime equiparado a hediondo; de igual maneira, o STJ não permite sua aplicação ao crime de posse de drogas para consumo pessoal (RHC 35.920/DF).

            Entretanto, quanto ao crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, há de se mencionar que o STJ possui um julgado reconhecendo a possibilidade de aplicação da bagatela (HC 110.475/SC).

            Na mesma esteira, no ano de 2019, a 2ª Turma do STF aplicou o princípio da insignificância ao tráfico de drogas em caso que versava sobre ínfima quantidade de droga apreendida:

No caso em tela, não se pode dizer que o oferecimento de uma pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, por parte do Estado, se revele como uma resposta adequada, nem tampouco necessária, para repelir o tráfico de 1g (um grama) de maconha. Em um controle da proporcionalidade em sentido estrito, ainda, salta aos olhos a desproporcionalidade do oferecimento de tal pena. Além disso, o presente caso é um exemplo emblemático da flagrante desproporcionalidade da própria pena em abstrato prevista para o tipo penal do tráfico de drogas diante de casos em que a quantidade de entorpecentes é irrisória. A solução aqui proposta, para tais casos de flagrante desproporcionalidade entre a lesividade da conduta e a reprimenda estatal oferecida, é a adoção do princípio da insignificância no âmbito dos crimes de tráfico de drogas. Fato é que a jurisprudência deve avançar no sentido de criar critérios dogmáticos objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas para retroalimentar o seu vício. Nos parece que a adoção do princípio da insignificância nos crimes de tráfico de drogas se revela um passo importante nessa direção. (STF, 2ª Turma, HC 127.573, j. 08.11.2019).

            Quanto ao delito envolvendo a transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência (artigo 183 da Lei nº 9.472/97), há de se mencionar a Súmula 606 do STJ, que afirma a inaplicação da bagatela. Entretanto, o STF entende que, em casos excepcionais, é possível reconhecer a atipicidade material pela insignificância, desde que a rádio clandestina opere em baixa frequência, em localidades afastadas dos grandes centros e em situações nas quais ficou demonstrada a inexistência de lesividade. (STF: HC 138.134/BA).

No que tange aos delitos federais de natureza tributária, especialmente no descaminho, é possível o reconhecimento da bagatela nos casos em que o tributo devido não ultrapassa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Vale consignar que para os tributos estaduais e municipais, deverá existir previsão específica por cada ente federativo, no exercício da respectiva competência tributária.

Por sua vez, é inaplicável o princípio em estudo quanto ao crime de contrabando, tendo em vista a natureza proibida da mercadoria importada ou exportada. Há ofensa a bens jurídicos diversos, como a saúde, moralidade administrativa e ordem pública.

6 – Princípio da insignificância imprópria ou bagatela imprópria 

            Quanto à bagatela imprópria, há irrelevância da pena, mesmo que o fato seja penalmente relevante. Ou seja, há desvalor da conduta e do resultado, entretanto a pena se mostra desnecessária.

            Observe-se que, contrariamente ao que ocorre com a bagatela própria, o agente será criminalmente processado, entretanto, o Poder Judiciário, ao analisar as circunstâncias do fato, recomenda a exclusão da pena. Sendo assim, sua natureza jurídica é de causa supralegal de extinção da punibilidade.

            Vale ressaltar, neste ponto, a Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”

            Pode-se citar, a título exemplificativo, a hipótese de aplicação do perdão judicia ao pai que, pro inobservância do dever objetivo de cuidado, vem a causar a morte de seu filho por negligência; obviamente, observa-se desvalor da conduta e do resultado; entretanto, as consequências geradas pelo fato já possuem caráter sancionatório ao agente, de modo que a aplicação de reprimenda pelo Judiciário afigura-se desnecessária.

            Saliente-se, neste ponto, que nossos Tribunais possuem alguma resistência à aplicação do princípio bagatelar impróprio, pelo fato de que o artigo 107, IX do Código Penal exige previsão legal para que o juiz possa aplicar o perdão judicial. No entanto, discordamos desse entendimento legalista. Há situações claras em que a pena não se faz necessária, como em casos de crimes sexuais que não envolvem violência real, como é o caso do estupro de vulnerável, com pouca diferença de idade entre autor e vítima e situação em que ocorre a posterior formação de família. Neste caso, não poderia o Estado aplicar pena na hipótese, por se afigurar como completamente desnecessária e prejudicial.

 

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