Condição de Mula e Tráfico Privilegiado: Dicas Práticas para Advogados Criminalistas

Condição de Mula e Tráfico Privilegiado: Dicas Práticas para Advogados Criminalistas

Como Defender a ‘Mula’ no Tráfico: Aspectos Críticos e Jurisprudência Atual

Nos casos de tráfico de drogas, a figura da “mula” – pessoa utilizada apenas para transportar substâncias ilícitas – traz à tona questões complexas e desafiadoras no direito penal.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o HC 2.158.963, reafirmou que a condição de “mula”, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação do tráfico privilegiado, mas pode influenciar na dosagem do redutor de pena.

Esse entendimento destaca a importância de uma defesa bem estruturada, especialmente em situações onde o réu não possui antecedentes criminais e não tem vínculos diretos com organizações criminosas.

Neste artigo, abordaremos a decisão do STJ e exploraremos o conceito de tráfico privilegiado, esclarecendo como ele pode ser aplicado em favor de réus primários, sem envolvimento estável com atividades ilícitas.

Além disso, reunimos dicas estratégicas para advogados que atuam em casos de tráfico de drogas envolvendo a condição de “mula”, enfatizando a importância de uma defesa que valorize o contexto social, a vulnerabilidade dos réus e a construção de argumentos que favoreçam a aplicação do redutor de pena.

Essas orientações visam não só informar sobre as nuances legais do tráfico privilegiado, mas também oferecer um suporte prático para que advogados possam alcançar resultados mais justos para seus clientes. Vamos lá?

Quando a Condição de ‘Mula’ Não Afasta o Benefício do Tráfico Privilegiado

A condição de “mula” do tráfico não impede, por si só, a aplicação do tráfico privilegiado, mas justifica que o redutor seja aplicado em um patamar menor do que a fração máxima.

Esse foi o entendimento do ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder o redutor do tráfico privilegiado na proporção de um quarto para uma mulher condenada a sete anos e oito meses de reclusão, além de multa, pelo crime de tráfico de drogas.

A decisão foi motivada por um Habeas Corpus em que a defesa argumentou que o juízo de primeira instância negou o redutor de pena sem demonstrar que a ré integrava organização criminosa.

Além disso, a defesa contestou a imposição de um regime inicial mais severo, adotado sem justificativa concreta.

Ao revisar o caso, o ministro concluiu que a justificativa utilizada para afastar o redutor foi insuficiente, já que não havia provas de que a ré se dedicava a atividades ilícitas de forma contínua ou habitual.

“O acórdão reflete uma situação recorrente nos crimes de tráfico de drogas, onde uma pessoa é recrutada por organização criminosa para realizar o transporte de grande quantidade de entorpecentes, atuando como ‘mula’ em troca de uma quantia significativa de dinheiro. Por ser primária, ela levanta menos suspeitas das autoridades, ampliando as chances de sucesso do transporte, o que explica a escolha de uma pessoa desvinculada das atividades estáveis da organização para essa tarefa”, registrou o ministro.

Com a decisão, a pena foi reduzida para cinco anos e três meses de reclusão, com início no regime semiaberto.

Clique aqui para ler a decisão

Fonte: STJ – HC 2.158.963

Requisitos do Tráfico privilegiado

Vamos relembrar aqui alguns aspectos da figura do tráfico privilegiado?

O tráfico privilegiado, também conhecido como tráfico de drogas privilegiado, é uma figura prevista na legislação brasileira que permite a redução da pena para pessoas que atendam a determinados requisitos legais.

De acordo com o artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), são requisitos para a concessão do tráfico privilegiado: ter sido primário, ter bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terçosvedada a conversão em penas restritivas de direitos , desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

Emprego formal

A questão do emprego formal não está prevista como requisito para a concessão do tráfico privilegiado, mas vale ressaltar alguns pontos importantes para sua prática penal.

Em teoria, uma pessoa desempregada pode ser beneficiada com a redução da pena se atender aos demais requisitos legais.

Contudo, é importante destacar que a avaliação da situação econômica do acusado pode influenciar no entendimento do juiz sobre a possibilidade de ele se dedicar ou não às atividades criminosas. Vemos isso acontecer na prática com certa frequência.

Nesse sentido, se o acusado não possui emprego formal, mas possui outras fontes de renda ou condições de vida que indiquem estabilidade financeira, isso pode não ser um fator impeditivo para a concessão do tráfico privilegiado.

Por outro lado, se o acusado não possui emprego formal e não apresenta outras fontes de renda ou condições de vida estáveis, isso pode levar o juiz a entender que ele está mais propenso a se dedicar a atividades criminosas, o que pode dificultar a concessão do benefício.

Em suma, é importante destacar que a concessão do tráfico privilegiado depende de uma avaliação individualizada do caso pelo juiz, levando em consideração não só os requisitos legais, mas também as circunstâncias do acusado.

Na prática, a falta de emprego formal não é um fator determinante para a concessão do benefício, mas pode atrapalhar o pedido. 

É vedado uso de inquéritos e ações em curso para impedir aplicação do tráfico privilegiado

Outra questão importante é a vedação de uso de inquéritos e ações ainda em curso para impedir a aplicação do tráfico privilegiado.

Em 2022, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.139), estabeleceu a tese de que

é vedada a utilização de inquéritos ou ações penais em curso para impedir a aplicação da redução de pena pela configuração do chamado tráfico privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006).

De acordo com o dispositivo da Lei de Drogas, as penas previstas no parágrafo 1º do artigo 33 podem ser reduzidas de um sexto a dois terços caso o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades delitivas nem integre organização criminosa.

Confirmando jurisprudência majoritária das turmas criminais do STJ, a seção considerou que, enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais ações contra o réu não podem ser consideradas para impedir a redução da pena pelo tráfico privilegiado.

“Todos os requisitos da minorante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 demandam uma afirmação peremptória acerca de fatos, não se prestando a existência de inquéritos e ações penais em curso a subsidiar validamente a análise de nenhum deles”, afirmou a relatora dos recursos analisados, ministra Laurita Vaz.

Redução da pena é direito subjetivo do réu que cumpre os requisitos

A aplicação da redução de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 constitui direito subjetivo do acusado, caso estejam presentes os requisitos legais, não sendo possível afastar a sua incidência com base em considerações subjetivas do julgador.

O STJ tem diferenciado o aproveitamento de inquéritos e ações penais em curso no caso de medidas de caráter precário – a exemplo das prisões cautelares, nas quais se admite a utilização desses processos, pois não se exige, em tais situações, a afirmação inequívoca de que o réu seja autor do delito – e na fundamentação de medidas de caráter definitivo, como na imposição de pena.

Aplicação de pena exige conjunto probatório mais rigoroso

Por outro lado, na imposição da sanção penal, é preciso um conjunto probatório mais rigoroso do que aquele necessário para as medidas cautelares.

Nos termos do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a afirmação definitiva de que um fato criminoso ocorreu e é imputável a um autor só é possível quando houver o trânsito em julgado da sentença condenatória.

“Até que se alcance esse marco processual, escolhido de maneira soberana e inequívoca pelo constituinte originário, a culpa penal, ou seja, a responsabilidade penal do indivíduo, permanece em estado de litígio, não oferecendo a segurança necessária para ser empregada como elemento na dosimetria da pena“, afirmou, ao lembrar que o mesmo raciocínio foi empregado pelo STJ ao editar a Súmula 444.

Inquéritos e ações penais podem perdurar por anos sem que haja resultado definitivo. Assim, a conclusão desses processos poderia ocorrer só após o réu ter cumprido a pena pelo crime de tráfico na qual foi negada a redução – quadro que, potencialmente, traria resultados irreversíveis ao apenado.

Estratégias gerais para advogados criminalistas que atuam em casos de “mula” 

Em casos envolvendo a condição de “mula” no tráfico de drogas, há várias estratégias e pontos de atenção que podem ser fundamentais para a defesa.

Confira algumas dicas para advogados que atuam nesses casos:

  1. Exploração do Perfil e das Circunstâncias: Demonstre a vulnerabilidade da ré e o fato de ela não integrar organização criminosa. Argumente que a condição de “mula” é, muitas vezes, fruto de coação econômica, condições sociais desfavoráveis ou da promessa de recompensas financeiras, sem envolvimento direto ou estável com o tráfico.

  2. Enfoque na Primariedade e na Ausência de Antecedentes: Se a ré não possui antecedentes criminais, destaque a primariedade e o fato de que a falta de antecedentes fortalece a aplicação do redutor de pena. Esse argumento mostra que ela não apresenta histórico de reincidência nem vínculo com organizações criminosas.

  3. Questionamento da Proporcionalidade da Pena: Busque uma aplicação justa do tráfico privilegiado, ressaltando que a condição de “mula” não justifica a exclusão do benefício, mas sim a aplicação de uma fração menor, se for o caso. Além disso, destaque que a jurisprudência recente indica que a condição de “mula” não afasta o direito ao tráfico privilegiado.

  4. Contestação de Regime Prisional Mais Grave: Caso o juízo aplique um regime mais severo, argumente que ele deve ser fundamentado em dados concretos, conforme o entendimento do STJ. Insista que, sem provas de periculosidade ou de envolvimento em atividades criminais contínuas, o regime inicial deve ser o menos gravoso possível.

  5. Produção de Provas Sociais e Pessoais: Reúna provas que demonstrem o perfil pessoal e social da ré, como laudos sociais, históricos de trabalho e contexto familiar. Esses elementos podem contribuir para demonstrar que ela foi apenas um instrumento utilizado por traficantes e não uma integrante do núcleo criminoso.

  6. Exploração das Divergências na Jurisprudência: Em muitos casos, a jurisprudência é favorável ao entendimento de que a condição de “mula” não impede o tráfico privilegiado. Acompanhe decisões recentes e identifique precedentes para fortalecer a defesa e conseguir uma pena reduzida.

  7. Consideração do Contexto de Vulnerabilidade Social: Explique como a vulnerabilidade financeira ou social foi um fator crucial para o envolvimento da ré no transporte de drogas. Enfatize que, em muitos casos, esses indivíduos são recrutados justamente por estarem em situação de carência ou desespero financeiro.

Ao adotar essas estratégias, advogados podem não apenas trabalhar pela redução da pena, mas também por uma abordagem mais justa e humanizada do caso.

Além disso, o entendimento detalhado da jurisprudência pode ser um grande diferencial para alcançar resultados favoráveis aos seus clientes.

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