PL 1904/2024: Mulheres estupradas poderão ser presas por abortar após 22 semanas de gestação?
O projeto de lei (PL) 1.904/2024, aprovado em regime de urgência na Câmara dos Deputados no dia 12 de junho, prevê pena de até 20 anos de prisão para mulheres que realizarem aborto após 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro.
Com isso, o projeto de lei equipara o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples.
Com a aprovação do regime de urgência, a matéria poderá ser votada diretamente no plenário, sem necessidade de passar por comissões.
Leia mais abaixo:
PL do Estupro: como o aborto é tratado pelo Código Penal atualmente?
Um novo projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tem gerado intensos debates.
O PL 1.904/24 propõe que o aborto realizado após 22 semanas de gestação seja equiparado ao crime de homicídio simples, prevendo penas severas mesmo em casos de gravidez resultante de estupro.
Atualmente, não há restrição de tempo para a realização do aborto em casos de estupro no Brasil.
O projeto de lei 1.904/24, ao impor um limite de 22 semanas, altera significativamente essa dinâmica e levanta questões sobre a proteção dos direitos das mulheres versus a proteção dos fetos com viabilidade.
Relembremos o que traz o Código Penal sobre o crime de aborto.
Previsto a partir do artigo 124 do CP, o crime de aborto poderá admitir três hipóteses, todas dolosas, sendo: auto aborto, aborto com consentimento da gestante e aborto sem consentimento da gestante.
Aborto significa a interrupção dolosa da gravidez.
Vejamos as hipóteses:
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.
O artigo 124 traz a hipótese de auto aborto, onde a gestante é o sujeito ativo do crime.
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada do crime de aborto
Conforme prevê o artigo 127 do Código Penal a forma qualificada do crime de aborto:
Art. 127 do CP. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Neste artigo, a morte ou a lesão decorrem do aborto, mas não são desejadas pelo autor do crime.
Esses resultados se dão a título de culpa.
Atenção! Caso haja dolo na morte da gestante o agente deverá responder pelo crime de homicídio em concurso com o crime de aborto.
Quais as exceções ao crime de aborto?
O artigo 128 prevê a possibilidade do aborto praticado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
O que configura o estado de necessidade especial, ou seja, uma causa de excludente da ilicitude prevista na parte especial do Código Penal.
Além disso, prevê também o caso de aborto no caso de gravidez resultante de estupro:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
E a terceira forma de aborto permitido no país é o caso de: Aborto de feto anencéfalo – ADPF 54
Na ADPF 54, foi decidido que não há de ser considerado crime de aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto com anencefalia.
Desta forma, foi reconhecida a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção deste tipo de gravidez é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do CP.
Portanto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica.
Quais são as propostas do PL 1.904/24?
O PL 1.904/24, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e apoiado por mais de 27 deputados, propõe mudanças drásticas no Código Penal.
O que muda?
Se aprovado, o aborto realizado após 22 semanas de gestação será punido com reclusão de seis a 20 anos, a mesma pena prevista para homicídio simples.
Em que casos?
Essa penalidade se aplicará a todos os casos, incluindo os de gravidez resultante de estupro.
Por que 22 semanas?
O texto do projeto justifica que, a partir das 22 semanas, existe viabilidade fetal, o que, segundo os proponentes, deve ser protegido pela lei.
A pena poderá ser atenuada?
Além disso, o projeto permite que o juiz possa atenuar a pena, considerando as circunstâncias individuais de cada caso.
A pena poderá não ser aplicada?
Em situações onde as consequências da infração afetem gravemente o próprio agente, o juiz pode até optar por não aplicar a pena.
Por que a pena de aborto maior que a pena de estupro?
Conforme o artigo 213 do Código Penal, a pena para o crime de estupro varia de seis a dez anos de reclusão.
Em situações onde o estupro causa lesão corporal ou quando a vítima é menor de 18 anos e maior de 14 anos, a pena aumenta para um período de oito a 12 anos de reclusão.
Se a vítima for menor de 14 anos, a reclusão estipulada é de oito a 15 anos. É o estupro de vulnerável.
As penas máximas poderão ser equivalentes nos casos em que a vítima é menor de 14 anos e há lesão corporal grave, com pena de reclusão de dez a 20 anos.
A única circunstância em que a pena para estupro excede a do aborto, conforme o novo projeto de lei, é quando o estupro resulta em morte, prevendo-se reclusão de 12 a 30 anos.
Estupro do Código Penal
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Quais os Argumentos Contrários ao Projeto de Lei 1904/2024?
O projeto de lei tem gerado diversas manifestações contrárias, incluindo protestos em várias cidades brasileiras.
Em uma enquete no site da Câmara, mais de 1 milhão de votos foram registrados, com 88% dos participantes discordando totalmente do PL e 12% apoiando-o.
Campanha “Criança Não é Mãe”
Um grupo de 18 entidades do setor lançou a campanha “Criança Não é Mãe”, caracterizando o projeto como o “PL da Gravidez Infantil”.
Os criadores da campanha argumentam que as mudanças na legislação afetarão especialmente crianças menores de 14 anos, que são o grupo que mais necessita de serviços de aborto no terceiro trimestre.
Consequências Legais
A campanha também destaca que a mudança na lei resultará em condenações por homicídio simples, com pena de até 20 anos de prisão, para aqueles envolvidos em abortos após 22 semanas.
Em contraste, a pena para estupro é de cerca de 10 anos, ou metade do tempo.
Alerta da Campanha
A campanha alerta que, se aprovado, o projeto obrigará meninas vítimas de violência a continuarem com a gestação, representando um retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos garantidos por lei desde 1940.
Assim, a proposta tem gerado controvérsia, especialmente em relação aos direitos das mulheres que foram vítimas de estupro.
Críticos argumentam que a equiparação do aborto tardio a homicídio simples desconsidera as complexidades e os traumas envolvidos nesses casos.
Quais os Argumentos favoráveis ao Projeto de Lei 1904/2024?
O deputado Sóstenes Cavalcante afirmou em suas redes sociais que o PL 1904/24 “tem como objetivo considerar o aborto tardio como homicídio, reforçando a proteção à vida desde a concepção”.
Na justificativa do PL, destaca-se o argumento que o Código Penal estabelece no seu artigo 128 que “não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante”.
E que não é difícil perceber que, quando o Código Penal foi promulgado, se o legislador não colocou limites gestacionais ao aborto, não foi porque teria querido estender a prática até o nono mês da gestação. Basta recorrer às circunstâncias históricas da época
Clique aqui para ler a justificativa do PL.
Quais as perspectivas futuras do PL 1904/2024?
O PL 1.904/24 ainda está em análise na Câmara dos Deputados.
Com a aprovação do regime de urgência, a proposta poderá ser votada diretamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões, o que pode acelerar o processo legislativo.
A discussão promete ser intensa, refletindo a polarização da sociedade brasileira em torno do tema do aborto.
A eventual aprovação deste projeto de lei pode representar uma mudança significativa na legislação brasileira sobre aborto, trazendo novas implicações legais, sociais e éticas.
Por isso, advogados criminalistas precisam acompanhar de perto o PL 1904/2024.
Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a realização de abortos legais
O PL 1.904/24, apresentado em maio deste ano, diverge do entendimento atual do Supremo Tribunal Federal (STF).
No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a realização de abortos legais em casos de gravidez resultante de estupro após 22 semanas.
Publicada em 21 de março de 2024, a resolução do CFM proíbe a “assistolia fetal” em gestações com mais de 22 semanas.
A assistolia é um procedimento necessário para a realização do aborto em casos permitidos pela lei, como nos casos de estupro.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a lei não estabelece um prazo limite para a solicitação de aborto legal.
O MPF argumenta que o direito de solicitar o aborto é garantido por lei e que a resolução do CFM impede o cumprimento dessa legislação em todo o país.
Inteiro teor do PL 1904/2024
PROJETO DE LEI N.º ________, DE 2024 (Do Deputado Sóstenes Cavalcante)
Acresce dois parágrafos ao art. 124, um parágrafo único ao artigo 125, um segundo parágrafo ao artigo 126 e um parágrafo único ao artigo 128, todos do Código Penal Brasileiro, e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a fim de acrescer dois parágrafos ao artigo 124, um parágrafo único ao artigo 125, acrescer um segundo parágrafo ao artigo 126, e acrescentar um parágrafo único ao artigo 128 do mesmo diploma legal.
Art.2º O art.124 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:
“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
……………………………………………………………………..“§ 1 Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.
“§ 2 O juiz poderá mitigar a pena, conforme o exigirem as circunstâncias individuais de cada caso, ou poderá até mesmo deixar de aplicá-la, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave
que a sanção penal se torne desnecessária.”Art. 3º O art.125 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940- Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
………………………………………………………………………
Parágrafo único. Quando houver viabilidade fetal, presumida gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.Art. 4º Renumere-se o parágrafo único do art.126 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, como parágrafo primeiro e acrescente-se o seguinte parágrafo segundo:
“Art. 126 ……………………………………………………..
“§ 1º …………………………………………………………..“§ 2º Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”.
Art. 5º O art.128 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
……………………………………………………………“Parágrafo único. Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo.”
Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Este PL é bastante polêmico e está gerando muita discussão no meio jurídico e na sociedade em geral.
Claro que não esgotamos o tema aqui, mas se tem interesse em se especializar em Direito Penal e aprender sobre o tema e as teses de mérito que podem ser aplicadas no caso concreto, clique aqui e saiba mais.
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