STF entende que não é possível ANPP em crimes de racismo e injúria racial
Ministro Edson Fachin do STF, ao julgar o RHC 222.599 como Relator, no dia 06 de fevereiro de 2023, entendeu que o alcance material do ANPP não deve abarcar os crimes raciais (nem a injúria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, nem os delitos previstos na Lei 7.716/89). Essa é uma decisão importantíssima para quem atua na Advocacia Criminal. Leia mais abaixo:
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Informações destacadas sobre o caso
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INJÚRIA RACIAL MAJORADA. PRETENSÃO DE ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS, APÓS A CONDENAÇÃO, PARA OFERECIMENTO DE PROPOSTA DE ANPP. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO QUE SE LIMITA A REITERAR OS ARGUMENTOS DA IMPETRAÇÃO, SEM ATACAR O FUNDAMENTO CENTRAL QUE ENSEJOU O INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA. Agravo regimental não conhecido.
Embora aponte em seu petitório que “pugna pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo provimento, a fim de reformar o v. acordão ‘a quo’, proferido eg. Superior Tribunal de Justiça, readequando a pena imposta, excluindo a negativação das consequências do delito e da culpabilidade do Paciente, reconhecendo a desproporção no acréscimo de ½ por circunstância negativa na primeira fase da dosimetria ”, o que busca o recorrente, em suma, é que lhe seja oportunizada a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP).
Aduz que, apesar de já transitada em julgado sua condenação pela prática do crime de injúria racial majorada, não houve preclusão da matéria, seja porque prequestionada implicitamente, quando da oposição de aclaratórios ao acórdão da apelação defensiva, seja porque possível a concessão da ordem de habeas corpus, ainda que ex officio, considerada a impetração do mandamus ao Superior Tribunal de Justiça deu-se em data anterior ao trânsito em julgado.
Tanto o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em suas contrarrazões, quanto o Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestaram-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu não provimento. Apenas a PGR, porém, ad cautelam – em caso de consideração à pendência do julgamento do HC 185.913, pelo colegiado maior desta Suprema Corte -, opinou, ainda, pela não suspensão do feito na origem, bem como pela não suspensão do prazo prescricional.
Decisão do Ministro Relator Edson Fachin
No caso em tela o Ministro destacou que, a promoção do bem de todos, aliás, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, elencados no art. 3º da Constituição Federal de 1988.
Assim, a delimitação do alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador” e a inibição da persecutio criminis exige conformidade com o texto Constitucional e com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente, como limite necessário para a preservação do direito fundamental à não discriminação e à não submissão à tortura – seja ela psicológica ou física -, e ao tratamento desumano ou degradante, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e que atribui
não apenas às mulheres mas também às pessoas negras posição inferior, numa perversa hierarquia de humanidades.
Nessa direção, o Ministro relator, rememorou a expressa previsão no texto constitucional de que “ a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais ”. Seguindo esse raciocínio, o Ministro ressaltou que:
no tocante ao cabimento de proposição de Acordo de Não Persecução Penal, a legislação ordinária, de maneira escorreita, penso eu, afastou sua aplicação nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor (inciso IV do art. 28-A do CPP). Seguindo a teleologia dessa excepcionalidade, todavia, e não a sua literalidade, essa reserva não deve ser compreendida como a única.
Afinal, o Ministro traz que, não se trata de singular hipótese a demandar o reconhecimento da incompatibilidade do “ANPP” com o sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais e com todos os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro para a preservação e fortalecimentos dos direitos humanos junto à comunidade internacional.
Rememoro, em especial, por conta da conduta delitiva examinada nestes autos , que, recentemente, em 19/2/2021, foi publicado, no Diário Oficial do Senado Federal, o Decreto Legislativo nº 1/2021 , que aprovou o texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na Guatemala – por ocasião da 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, ocorrida em 5 de junho de 2013 -, documento mais abrangente que a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1967 e ratificada pelo Brasil em 1969 -, pois reprime as práticas discriminatórias também nos ambientes privados, além de ser contundente ao comprometer os Estados a combater o racismo estrutural e institucional.
Em decorrência da previsão do artigo 4 do texto internacional, o Brasil se comprometeu a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições da Convenção, todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância. O artigo 10, da referida Convenção, por sua vez, exige do Brasil o compromisso de garantir às vítimas (i) tratamento equitativo e não discriminatório, (ii) acesso igualitário ao sistema de justiça, (iii) processo ágeis e eficazes e (iv) reparação justa nos âmbitos civil e criminal, naquilo
que for pertinente ao caso.
É preciso não perder o fio condutor do avanço alcançado pelo colegiado maior com a conclusão daquele julgamento.
Nesta ocasião em que delimitamos o alcance material para a aplicação do acordo “despenalizador”, para fins de inibir a persecução penal, a interpretação conforme a Constituição constitui baliza e limite necessários para a preservação do direito fundamental à não discriminação racial, operada pelo conjunto de sentidos estereotipados que circula e atribui às pessoas negras posição inferior numa perversa hierarquia de humanidades.
A despeito das consabidas vantagens preconizadas pela novel convenção trazida pela Lei n. 13.964/2019, minha compreensão situa-se também no plano do simbólico, tão importante para a constituição dos fios que tecem a teia de sentidos atribuídos às pessoas negras – tal qual às mulheres – como desprovidas de igual consideração e respeito.A desconsiderar a necessária proteção dessa população inegavelmente vulnerável, referida política criminal “despenalizadora” finda por reverberar no reconhecimento de que o malferimento a determinados bens jurídicos, ainda que penalmente protegidos, não se constituem de status suficiente a conclamar maior rigor da repressão estatal – o que, como visto, é exatamente o oposto do que exige o texto constitucional e os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro internacionalmente.
“Despenalizar” atos discriminatórios raciais, nesta quadra da história, é contrariar o esforço – já insuficiente – para a construção da igualdade racial, levada a cabo na repressão de atos fundados em desprezíveis sentidos alimentados, diariamente, por comportamentos concretos e simbólicos reificadores de pessoas negras.
Dessarte, como a persistência da condenação do recorrente não se trata de decisão manifestamente contrária à jurisprudência do STF ou de flagrante hipótese de constrangimento ilegal, não identifico razões para concessão da ordem de ofício, nos termos pretendidos, pela defesa, com o presente recurso ordinário substitutivo de revisão criminal.