Videoconferência em Audiências Criminais: Inovação ou Risco?

Videoconferência em Audiências Criminais: Inovação ou Risco?

Revolução na Justiça: CCJ Aprova Audiências de Custódia por Videoconferência!

Nesta quarta-feira, 3 de julho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o projeto (PL) 321/23 apensado ao PL 855/24, altera o Código de Processo Penal (CPP) para permitir a realização de audiências de custódia por videoconferência.

Atualmente, o CPP exige que a audiência de custódia seja presencial.

O procedimento, crucial para avaliar a legalidade da prisão, poderá ser realizado remotamente, proporcionando uma transformação significativa no sistema judicial brasileiro.

O projeto foi aprovado com 33 votos a favor e apenas um contra, e segue agora para o Senado Federal. Leia mais abaixo:

Contexto da Proposta

As audiências de custódia são momentos em que o juiz avalia aspectos fundamentais da detenção, incluindo o tratamento dispensado ao detento e os fundamentos da ordem de prisão.

De acordo com o texto aprovado, o juiz deverá considerar as peculiaridades do crime, a localização, a periculosidade e os custos envolvidos no transporte e na segurança ao decidir se a audiência de custódia será realizada presencialmente ou virtualmente.

Requisitos para Audiências Criminais Virtuais

Caso a audiência de custódia ocorra de forma remota, deverão ser observadas algumas condições específicas para garantir a integridade e a privacidade do processo:

  1. Ambiente Monitorado:

    • A audiência deverá ser realizada em um ambiente equipado com mais de uma câmera ou câmeras de 360 graus, além de uma câmera externa para monitorar a entrada do preso na sala.
  2. Privacidade Assegurada:

    • As câmeras adicionais visam garantir a privacidade do preso, que deve permanecer sozinho durante a oitiva, salvo a presença física do advogado ou defensor.
  3. Exame de Corpo de Delito:

    • É necessário realizar um exame de corpo de delito para atestar a integridade física do detido antes da audiência.

Histórico e Justificativa

A realização de audiências de custódia por videoconferência ganhou relevância durante a pandemia de COVID-19, quando uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permitiu essa prática em 2020.

Contudo, essa resolução foi revogada em novembro de 2022.

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as audiências de custódia poderiam ser realizadas por videoconferência em casos de urgência (veremos abaixo).

Argumentos a Favor

Júlia Zanatta (PL-SC), autora do projeto, defendeu a medida argumentando que a realização de audiências de custódia por videoconferência é compatível com os direitos humanos e a segurança física do detido.

Segundo ela,

“é preciso reconhecer que a realização das audiências de custódia por videoconferência se provou uma medida em perfeita consonância com as demais previsões legais”.

O projeto também prevê que o detido em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado ao juiz de conferência para realizar o procedimento, com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado.

Críticas e Controvérsias

Apesar das vantagens apontadas, a proposta enfrentou críticas. Deputados da base governista inicialmente se opuseram ao texto, que falava do uso “preferencial” da audiência remota.

O novo relator, Gilson Marques (Novo-SC), modificou o texto para apenas admitir a possibilidade de audiências virtuais, o que não eliminou totalmente as objeções.

Parlamentares do PSOL, como Chico Alencar (PSOL-RJ), criticaram a proposta, argumentando que a audiência de custódia presencial permite uma interlocução mais plena e eficaz.

“A audiência de custódia presencial permite às partes uma interlocução muito melhor, muito mais plena do que a videoconferência. O corpo fala, a argumentação ganha muito mais vida”, afirmou Alencar.

Sabemos que a medida deve ser implementada com cuidado, garantindo que os direitos fundamentais dos detidos sejam preservados e que o processo judicial continue a ser justo e eficaz.

Decisão do STF sobre Audiência criminal por videoconferência

Importante lembrarmos que, em agosto de 2023, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou medida liminar concedida pelo ministro Edson Fachin que havia permitido que dois acusados de tráfico de drogas foragidos participassem, por videoconferência, da audiência de instrução e julgamento na ação penal a que respondem.

O entendimento é de que as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da eficiência e da celeridade processuais devem ser preservadas.

A decisão se deu no exame do Habeas Corpus (HC) 227671, impetrado pela defesa dos acusados, na sessão virtual finalizada em 7/8.

O juízo de primeira instância e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN) haviam negado a participação dos acusados, sob o argumento de que mandados de prisão preventiva expedidos contra eles estavam pendentes de cumprimento.

Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou habeas corpus. No STF, a defesa reiterou o pedido.

Ausência na audiência não significa renúncia tácita

Na decisão referendada pela Turma, o ministro Edson Fachin avaliou que o fato de os acusados não se apresentarem à Justiça não significa renúncia tácita ao direito de participar da audiência de instrução, ainda que de maneira virtual.

O relator explicou que, na audiência presencial, o acusado tem o direito de comparecer espontaneamente ao ato.

Assim, o comparecimento à audiência virtual também deve ser facultado aos réus, para que possam acompanhar depoimentos e exercer a autodefesa.

Devido processo legal

Fachin ressaltou que o devido processo legal se pauta no contraditório e na ampla defesa, visando garantir aos acusados o direito de participar do processo de forma efetiva, com o poder de influenciar a formação da convicção do magistrado.

O ministro André Mendonça restringiu seu voto ao referendo da cautelar, especialmente porque a audiência já fora realizada.

Ele ressalvou que não se vincula em definitivo aos fundamentos da decisão, reservando-se a possibilidade de melhor apreciação e aprofundamento do caso em eventual análise do mérito.

Essa decisão oferece diversas implicações práticas e estratégicas que podem beneficiar tanto os advogados quanto seus clientes.

Acesso à Justiça e Garantia do Direito de Defesa

A decisão do STF reafirma o princípio fundamental do acesso à justiça, permitindo que os acusados tenham a oportunidade de participar ativamente do seu julgamento, mesmo quando não podem estar presentes fisicamente.

Para os advogados de defesa, isso é crucial, pois assegura que seus clientes tenham a possibilidade de se defender de forma efetiva, apresentar suas versões dos fatos e participar das provas e depoimentos.

Preservação da Ampla Defesa

Nesse caso, a participação por videoconferência pode ser uma ferramenta poderosa para garantir a ampla defesa, especialmente em situações em que a presença física do réu não é possível.

Os advogados podem continuar a exercer plenamente suas funções, garantindo que os direitos de seus clientes sejam respeitados.

A videoconferência permite a comunicação constante e confidencial entre o advogado e o réu, essencial para a construção de uma defesa robusta.

Mitigação de Riscos e Custos

A decisão também reduz os riscos associados ao transporte de réus perigosos ou de grande notoriedade, bem como os custos logísticos e de segurança.

Para advogados de defesa, isso pode significar menos obstáculos para a realização das audiências, permitindo que os processos avancem de maneira mais rápida e eficiente.

A economia de recursos pode ser significativa, tanto para o Estado quanto para as partes envolvidas.

Decisões do STJ sobre a utilização de videoconferência

Recentemente, a Sexta Turma, julgamento o AgRg no HC 900897 / TO, afirmou que não configura constrangimento ilegal o indeferimento de realização de sustentação oral por vídeoconferência, no caso em que o paciente, atuando em causa própria, não comparece presencialmente para a realização do ato por existir mandado de prisão definitivo contra si, optando por não exercer o seu direito de defesa por intermédio de outro defensor a ser por ele nomeado.

A Quinta Turma, ao julgar o AgRg no HC 902134 / SP, relembra que o direito de presença é um dos desdobramentos do princípio da plenitude da defesa, na sua vertente da autodefesa, pois permite a participação ativa do réu, dando-lhe a possibilidade de presenciar e participar da instrução criminal e auxiliar seu advogado, se for o caso, na condução e direcionamento dos questionamentos e diligências.

Entretanto, não se trata de um direito absoluto, sendo legítima a restrição, quando houver fundado motivo.

Nessa linha de intelecção, o Ministro Reynaldo Soares afirma que não há previsão legal que autorize a realização de interrogatório por meio da videoconferência nas situações em que há mandado de prisão expedido e não cumprido contra o réu.

Além de a jurisprudência de ambas as Turmas desta Corte Superior serem refratárias à tese defensiva, pelo seu potencial de fragilizar o dever da boa-fé objetiva nas relações jurídico-processuais (AgRg no RHC n. 188.541/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 4/3/2024).

Em outro julgamento do STJ envolvendo videoconferência, a Quinta Turma reafirma jurisprudência no sentido de que não é possível reconhecer a nulidade da falta de interrogatório de réu foragido que possui advogado constituído nos autos, pois não se pode se beneficiar da própria torpeza, alegando apenas o direito à autodefesa para ser interrogado por videoconferência ou anular atos já realizados (AgRg no HC 867512 / MT).

Videoconferência no Código de Processo Penal

Com o advento do Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019, no capítulo sobre o Juiz das garantias, foi incluído o Art. 3º-B, § 1º:

O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência.   

A videoconferência também é citada no Código de Processo Penal (CPP) brasileiro no artigo 185, que trata da oitiva de réus presos em processos penais.

As disposições relacionadas à videoconferência foram introduzidas pela Lei nº 11.900, de 2009.

Artigo 185 do CPP e seguintes:

§ 2º- Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: (…)

Além disso, o Código de Processo Penal também menciona a videoconferência no artigo 222, que trata da oitiva de testemunhas por meio de carta precatória, possibilitando o uso da videoconferência para a realização do ato processual.

Artigo 222 do CPP §3º:

(…) a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.  

Esses artigos visam garantir que o uso da videoconferência no processo penal seja realizado de maneira que assegure os direitos fundamentais do acusado, incluindo a ampla defesa e a confidencialidade da comunicação com o defensor.

A verdade é que, depois da pandemia e da resolução do CNJ, não houveram outras modificações legislativas.

Videoconferência em Audiências Criminais

Fato é que, com o avanço da tecnologia e a busca por eficiência no sistema judicial, a realização de audiências criminais por videoconferência tem se tornado uma prática cada vez mais comum.

Esse método de conduzir processos judiciais, impulsionado em grande parte pela pandemia de COVID-19, apresenta tanto vantagens significativas quanto desafios consideráveis.

Exploraremos agora os aspectos positivos e negativos da videoconferência em audiências criminais, bem como discutiremos suas implicações para o futuro da justiça.

Vantagens da Videoconferência

  1. Eficiência e Economia de Tempo:

    • A videoconferência reduz drasticamente o tempo necessário para deslocamentos de todas as partes envolvidas no processo, incluindo juízes, advogados, réus e testemunhas. Isso resulta em um processo mais ágil e eficiente.
  2. Redução de Custos:

    • A economia de custos é significativa, especialmente em casos que envolvem transporte de réus custodiados e despesas associadas à segurança e logística. Para advogados e testemunhas, também há uma redução nos gastos com deslocamentos.
  3. Acessibilidade e Flexibilidade:

    • A videoconferência permite uma maior flexibilidade na programação de audiências, facilitando a participação de partes que, de outra forma, teriam dificuldades em comparecer fisicamente ao tribunal. Isso é particularmente benéfico em regiões remotas ou com infraestrutura limitada.
  4. Continuidade da Justiça:

    • Durante a pandemia, a videoconferência foi essencial para manter a continuidade dos processos judiciais, evitando o acúmulo de casos e garantindo que a justiça fosse administrada sem interrupções significativas.

Desafios e Riscos

  1. Direito ao Processo Justo:

    • Um dos principais riscos da videoconferência em audiências criminais é a potencial violação do direito ao devido processo legal. A presença física no tribunal é um componente fundamental para a percepção de justiça e equidade.
  2. Privacidade e Segurança:

    • A proteção da privacidade das partes envolvidas é uma preocupação constante. A segurança das plataformas de videoconferência deve ser rigorosamente garantida para evitar interceptações e vazamentos de informações confidenciais.
  3. Interação Humana e Comunicação:

    • A interação face a face entre juízes, advogados e réus é uma parte crucial do processo judicial. A videoconferência pode limitar a capacidade de avaliar a credibilidade das testemunhas e a linguagem corporal dos envolvidos, elementos essenciais para a justiça.
  4. Desigualdade Tecnológica:

    • Nem todos os envolvidos em um processo judicial têm acesso igual à tecnologia necessária para participar de videoconferências. A desigualdade no acesso à internet de alta qualidade e dispositivos adequados pode prejudicar a defesa ou acusação.
  5. Implicações Psicológicas:

    • O ambiente de um tribunal físico pode exercer uma pressão psicológica significativa sobre os réus e testemunhas, que pode ser mitigada ou alterada no contexto de uma videoconferência. Isso pode impactar a forma como depoimentos são dados e recebidos.

Considerações Finais

A videoconferência em audiências criminais representa uma inovação significativa com o potencial de transformar a administração da justiça.

No entanto, seu uso deve ser cuidadosamente regulado e monitorado para garantir que os direitos fundamentais das partes sejam protegidos.

É essencial que o sistema judicial adote medidas para mitigar os riscos associados à videoconferência, como garantir o acesso igualitário à tecnologia, assegurar a segurança das plataformas utilizadas e desenvolver protocolos claros para a condução dessas audiências.

Somente assim será possível equilibrar a eficiência proporcionada pela tecnologia com a necessidade de um processo justo e equitativo.

O futuro da justiça criminal pode muito bem passar pela integração da videoconferência, mas essa transição deve ser feita com cautela, mantendo sempre o foco na proteção dos direitos humanos e na garantia de um julgamento justo para todos os envolvidos.

CLIQUE NA IMAGEM

LIVROS - CRISTIANE dUPRET

CLIQUE NA IMAGEM

Pesquisar

Receba atualizações diárias
de Direito Penal

Artigos Recentes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

BLOG DO CRIMINALISTA

Inscreva-se e baixe gratuitamente o aplicativo com aulas e atualizações diárias

Utilizamos cookies para personalizar anúncios e melhorar sua experiência no site. Ao clicar no botão ao lado, você concorda com nossa Política de Privacidade.​